segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

The Cloud Minders: a luta de classes em Star Trek TOS

"Este conturbado planeta é local dos mais violentos contrastes. Os que recebem as recompensas são totalmente separados daqueles que carregam o fardo. Não é uma liderança sábia." - Spock


Frequentemente, a terceira temporada de TOS é tida como a mais fraca, com roteiros inferiores aos das temporadas anteriores e com diversos problemas na produção. Mesmo assim é uma temporada com ótimos episódios, que carregam o espírito de Star Trek, possuindo temas profundos e abordando problemas contemporâneos, com forte crítica social.

Um destes episódios é "The Cloud Minders" (TOS 3x19 - "Os Guardiões das Nuvens", na versão brasileira), onde o planeta Merak II está sendo assolado por uma praga que pode destruir toda a sua vida vegetal e como consequência exterminar sua população. A fim de resolver o problema a Enterprise desloca-se até o planeta Arnada - única fonte do mineral zienite, capaz de deter a praga - de modo a obter um carregamento desta substância que poderá salvar Merak II.

Ao descerem no planeta Kirk e Spock são atacados por um grupo de mineiros separatistas - liderados por Vanna e conhecidos como troglytes -, sendo salvos pelo Alto Conselheiro de Ardana e levados em seguida para a cidade nas nuvens, que abriga uma sociedade totalmente intelectual, que supostamente eliminara a violência por completo. 

No entanto, Kirk e Spock logo descobrirão que as relações sociais no planeta Ardana são mais complexas do que a aparente tranquilidade que Stratos sugere. Para que os cidadãos de Stratos possam usufruir de uma vida confortável nas nuvens, dedicando toda sua energia às artes e às atividades intelectuais, se faz necessária a exclusão da maior parte da população do planeta, que vive na superfície em condições adversas.

Karl Marx afirmou que a história da humanidade é a história da luta de classes. Isto significa que as sociedades são o palco do eterno conflito entre opressores e oprimidos. "The Cloud Minders" aborda justamente esta questão, ao mostrar uma sociedade rigidamente dividida entre trabalhadores intelectuais - que vivem na cidade Stratos, nas nuvens do planeta - e trabalhadores manuais - os troglytes, que habitam as insalubres minas de Ardana.

A divisão social do trabalho que se concretizou em Ardana é reveladora das relações que se estabeleceram entre as duas classes, ou seja, os cidadãos de Stratos e os troglytes. 

Os primeiros, livres do trabalho pesado e manual, podem se dedicar exclusivamente ao pensamento e ao espírito, ao mesmo tempo em que consideram os troglytes inferiores, justificando assim sua dominação, pois é desta que advém sua liberdade; os segundos, "escravizados" sob as condições duras nas minas de zienite, encontram-se embrutecidos e alienados, algo que é metaforizado na história na solução narrativa do gás emanado pelo mineral zienite, que provocava a perda de 20% da capacidade intelectual dos troglytes. Somente aqueles que deixam de ser expostos ao gás podem ascender socialmente. 

Quando Plasus, ao não acreditar na eficácia da máscara providenciada pelo Dr. McCoy para utilização por parte dos troglytes, afirma que seus antepassados saíram das minas e mesmo assim conseguiram construir Stratos, Spock lhe responde: "A evolução desigual não começou até que seus ancestrais saíssem da exposição constante ao gás". Touchè! Um golpe vulcano na falaciosa meritocracia do Alto Conselheiro. 

Por fim, o componente ideológico, que os fazia crer - tanto cidadãos de Stratos quanto os troglytes - que os indivíduos da classe que vivia na superfície do planeta não eram biologicamente adaptados à luminosidade e ao calor da cidade das nuvens. Aqui é possível estabelecermos também uma relação com o Mito da Caverna, de Platão, já que os troglytes vivem em cavernas e, segundo os habitantes de Stratos é lá que devem permanecer. 

No entanto, a relação com o pensamento de Marx e Engels é clara, a partir do que estes pensadores afirmam em "A Ideologia Alemã": 

"O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material" (1977, p. 36). 

Isto é, segundo Marx e Engels, a relação que as pessoas possuem com a natureza e com os seus meios de vida são determinantes na imagem que elas fazem de si mesmas e do mundo ao redor, ou seja, a vida material está profundamente entrelaçada com a ideologia de uma sociedade. Não somente na sociedade ardaniana, quanto na nossa sociedade capitalista atual, por exemplo: é tácita a aceitação da necessidade de trabalhadores braçais que possibilitam a existência dos trabalhadores intelectuais.  

Ou ainda pior: uma classe de párias, que nada produz, sendo carregada nas costas pela classe trabalhadora. De certa forma, este parece ser o caso de Ardana, onde os habitantes de Stratos representam a burguesia, enquanto o proletariado ganha forma nos troglytes. A extrema futilidade de Droxine, filha do Alto Conselheiro Plasus parece confirmar esta hipótese. Esta personagem é o oposto da líder dos separatistas, Vanna, "dominada pela violência vinda do desespero", nas palavras de Spock, que por fim, em diálogo com Droxine conclui: "eles fazem o trabalho pesado necessário para manter Stratos". "É a função deles em nossa sociedade", responde Droxine. 

Finalmente, há ainda uma importante questão, materializada no cenário onde se desenvolve a ação do episódio. Percebam que a cidade "pacífica" e "evoluída" se encontra nos céus, nas nuvens. Já os "brutos" e "instáveis" troglytes vivem na terra. É uma grande e genial metáfora daquilo que Marx e Engels tinham em mente ao escrever "A Ideologia Alemã", dando os primeiros passos do materialismo histórico: a crítica ao idealismo dos filósofos neo-hegelianos. O habitante de Stratos acredita que as ideias são autônomas, preexistindo às condições materiais; os troglytes provam que a verdade é o inverso:

"Totalmente ao contrário do que ocorre na filosofia alemã, que desce do céu à terra, aqui se ascende da terra a céu. Ou, em outras palavras: não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí. chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida." (1977, p. 37).

The Cloud Minders (TOS, 3X19)

Escrito por: David Gerrold e Oliver Crawford
Teleplay: Margaret Armen
Direção: Jud Taylor
Estreia: 28/02/1969

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Como Gene Roddenberry enxergaria os novos filmes de Star Trek?

A voz do Grande Pássaro da Galáxia ainda ecoa em todos os quadrantes. 

Embora morto em 1991, as ideias do criador de Jornada nas Estrelas continuam vivas, não somente em toda a obra derivada do seriado original, mas em seus escritos e entrevistas. O seu pensamento foi preservado para a posteridade.

Seria uma grande pretensão afirmar aqui o que Gene Roddenberry aprovaria ou não nos filmes da era J.J. Abrams - e nem é este meu objetivo - porém acredito ser possível buscarmos algumas pistas, a partir do seu legado.

Desde que o trailer de Star Trek Beyond foi divulgado na semana passada o diretor Justin Lin e o roteirista principal Simon Pegg já se manifestaram por diversas vezes a respeito da história que procuraram contar no filme que tem sua estreia prevista para julho de 2016. Da mesma forma, muitos elementos já puderam ser identificados no trailer, que mostra a destruição da Enterprise e uma nova espécie alienígena como a vilã do terceiro filme do reboot.

Gene Roddenberry considerava a nave Enterprise muito mais do que apenas um veículo espacial. Para ele, a Enterprise sempre foi - e sempre seria - a grande heroína de qualquer história de Jornada nas Estrelas. Quando Roddenberry criou Star Trek a nave foi planejada como a forma - sobretudo narrativa - pela qual os personagens demonstravam quem eles eram e quais os seus papéis no universo. Devido a isto, é um pouco incômodo assistirmos a mais uma destruição de Enterprise. Este fato pode revelar alguns aspectos: 1) os roteiristas não compreendem qual o papel da nave na história; 2) a necessidade de criar explosões e mostrar destruição, que sempre cativam o grande público; ou o mais provável: 3) mesmo compreendendo a centralidade da Enterprise em Star Trek o apelo que envolve sua destruição seria mais forte. Ou seja, neste ponto de Star Trek Beyond um dos "dogmas" de Roddenberry é solenemente desconsiderado.

Já em relação às espécies alienígenas do universo de Star Trek, Gene Roddenberry sempre acreditou que as histórias não deveriam necessariamente tratar dos conflitos entre humanos e klingons, ou humanos e romulanos, por exemplo. Gene considerava que, ao assumirmos a existência de milhares de outras espécies interessantes galáxia a fora, estas sem dúvida mereciam ser exploradas nas histórias de Jornada nas Estrelas. Aqui o filme acerta, pois de acordo com o diretor Justin Lin o vilão Kraal pertence a uma espécie jamais vista em Star Trek. Ponto para Pegg e Lin.

No entanto, o reboot promovido por J.J. Abrams se distancia muito daquilo que Gene Roddenberry considerava central em Star Trek: histórias que envolvessem os grandes desafios contemporâneos aos quais a humanidade se depara. Nesse aspecto tanto Star Trek (2009) e Star Trek Into Darkness (2013) deixam muito a desejar. Pelo visto até agora, Star Trek Beyond seguirá o mesmo rumo, até mesmo levando ainda mais adiante a falta de "crítica social". Existem vagas menções, sobretudo de Simon Pegg, de que o filme terá elementos caros à franquia, porém sem muitos detalhes até o momento. Contudo, podemos perceber que o filme trata de "fronteiras" e de "choque de filosofias". Se esta questão for bem trabalhada, aí sim o filme estará dentro dos requisitos considerados primordiais para se contar uma história de Jornada nas Estrelas, segundo o pensamento de Gene Roddenberry.

Por fim, uma característica que existe, sobretudo no primeiro filme de Abrams, é o espírito de "band of brothers", que era muito caro a Gene Roddenberry. Para o criador de Star Trek era este espírito de camaradagem, de irmandade, de fraternidade entre os membros da tripulação um dos aspectos que fazia o programa original ser tão amado. Para Gene, os fãs se identificavam com a afeição que os tripulantes sentiam uns pelos outros. O clima de "bromance" é evidente no filme de 2009, perdendo um pouco de força no filme de 2013. Porém, em Star Trek Beyond a ajuda mútua entre a tripulação deverá retornar com força. Segundo o que é visto no trailer, os tripulantes, após a destruição da Enterprise, encontram-se em duplas, em um planeta hostil, precisando ajudarem-se uns aos outros pela sobrevivência. Mas há a necessidade de não se cair no melodrama, pois Gene sempre afirmou categoricamente que Star Trek tratava de pessoas verossímeis. Segundo ele, pessoas nas quais pudéssemos acreditar eram o coração de boas histórias de Star Trek. 

Amados por uns, odiados por outros, podemos perceber que os filmes do reboot possuem altos e baixos em relação às premissas do Grande Pássaro da Galáxia. Há momentos de aproximação e momentos de distanciamento. Resta saber até onde Star Trek Beyond irá.




sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

J.J. Abrams admite erros em Star Trek: Into Darkness

Em meio a todo hype de Star Wars - O despertar da Força, J. J. Abrams concedeu longa entrevista ao Buzzfeed na qual também abordou seu trabalho frente aos novos filmes de Star Trek. Abrams fez um mea culpa e admitiu alguns de seus erros, sobretudo no filme Into Darkness.

No momento em que começamos a filmar, e isto foi literalmente bem no início das filmagens, havia certas coisas com as quais eu estava inseguro. Qualquer filme, qualquer história, tem um diálogo fundamental acontecendo durante a mesma. Há um argumento fundamental; há uma questão central. E eu não tinha isto.

O filme de 2009, segundo Abrams, tinha uma história muito forte "sobre dois órfãos que, estando em completo desacordo, precisam trabalhar juntos para sobreviver". Já no segundo filme, de 2013, isto não aconteceu. Kirk e Spock permaneceram como os personagens centrais do filme, mas Abrams, reconhecendo os problemas de Into Darkness pergunta: 

Qual a questão que se coloca? Qual foi a dinâmica? Qual o problema entre eles? 

Exercitando um pouco de autocrítica, ele mesmo responde: "Nada disso ficou muito claro".

Houve também a questão de Khan, e Abrams considera ter sido incorreta a tentativa de enganar os fãs ao dizer que Cumberbatch estava interpretando um personagem de nome John Harrison, o que é verdade, mas uma meia verdade.

Abrams ri nesse ponto da entrevista e diz: 

No final, enquanto eu concordava com Damon Lindelof que reter a informação sobre Khan acabou parecendo que estávamos mentindo para as pessoas, eu estava tentando preservar a diversão do público.

Abrams revela que refilmou algumas cenas e sentiu que isso "ajudou um pouco aqui e ali", mas que de qualquer forma os problemas do filme estavam na trama. O diretor não culpa ninguém além de si mesmo por isso. 

Eu senti como, de uma maneira estranha, o filme se tornou uma coleção de cenas que foram escritas pelos meus amigos - brilhantes e talentosos escritores - que eu, de certa forma, enganara na tentativa de fazer determinadas coisas. E ainda, eu me encontrei frustrado pelas minhas escolhas e incapaz de acreditar em um segmento inegável da história principal.

Abrams conclui:

Eu nunca diria que acho que o filme não funcionou. Mas eu sinto que não funcionou tão bem quanto poderia se eu tivesse tomado algumas decisões melhores antes de começarmos a filmar.

Dois anos e meio após o lançamento de Star Trek: Into Darkness - certamente o filme mais contestado da fase JJ - seu diretor, com sinceridade surpreendente, assume erros cometidos na produção. Como se pode perceber nas falas de Abrams, o principal erro esteve na falta de planejamento da história. Algo que parece ter acontecido com Star Trek Beyond também, conforme todas as notícias que temos recebido desde que Simon Pegg foi escalado para escrever o roteiro. 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Ser ou não ser Trek: Simon Pegg promete filme com mais "Star Trek stuff"


Simon Pegg, co-autor do roteiro de Star Trek Beyond, declarou em entrevista que não ficou nada feliz com o trailer lançado nesta semana

Após uma avalanche de críticas, vindas sobretudo dos fãs de longa data da franquia, Pegg aparentemente entendeu o recado e partiu para a defensiva, contradizendo seu posicionamento inicial de realizar um filme de Star Trek que não fosse tão "Star Trek-y".  O roteirista, que também interpreta Scotty no filme, afirmou não ter gostado do trailer, atribuindo o enfoque deste nas cenas de ação à estratégia de marketing da Paramount.

Segundo Pegg, existem muito mais elementos no filme, principalmente aquilo que ele chama de "Star Trek stuff", ou "material de Star Trek".

Achei que o trailer foi feito como se fosse o pessoal do marketing dizendo: 'Venha todo mundo e veja este filme, ele é cheio de ação e diversão", quando há muito mais do que isso. Eu não o amei, porque eu sei que há muito mais para o filme. Há muito mais história, e muito mais material dos personagens, e muito mais do que eu chamaria de 'Star Trek stuff.'

O roteirista ainda disse que o primeiro trailer foi feito desta forma pois o estúdio "precisar atrair um grande público, batendo um tambor".

Esperamos que Pegg esteja sendo sincero, e não apenas procurando iludir os trekkers devido à repercussão negativa do trailer. Não podemos esquecer que Simon Pegg, quando foi escalado para co-escrever o roteiro de Star Trek Beyond, afirmou que estava ali para fazer um filme de Star Trek com menos Star Trek

Dilemas shakespeareanos à parte, não deixa de ser engraçado estarmos discutindo o quanto um filme de Star Trek deve ou não ser Star Trek.

Tirem suas próprias conclusões.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Star Trek: Sem Fronteiras - Justin Lin revela o nome do vilão

Desde que o polêmico trailer de Star Trek: Sem Fronteiras apareceu o mundo trekker está em polvorosa. Muitos elementos indicam que o filme terá muito pouco do espírito original de Jornada nas Estrelas, estando mais próximo a um Velozes e Furiosos do espaço.

Mas de qualquer forma muitas questões surgiram. As principais delas giram em torno de mais detalhes sobre o vilão do filme e sobre se existem relações com o filme anterior, Into Darkness. Por exemplo, nas questões do DNA de Khan e do teletransporte interestelar. Quanto a esta último o diretor joga alguma luz, sendo taxativo: não, não existem relações e estes fatos não serão utilizados no novo filme. 


Segundo informações de Lin, Kraal não é um klingon nem um gorn, aliás, não pertence a nenhuma espécie vista até hoje na franquia.

Ainda de acordo com o diretor, o personagem possui alguns aspectos complexos e interessantes:

"Eu realmente gosto do personagem porque ele desafia a filosofia da Federação, e isto é algo crescente, que eu queria ver. Ele é um personagem que tem uma filosofia distinta. Às vezes eu assisto Trek e vejo a utopia em San Francisco, e penso: 'Eles não têm dinheiro, então como é que eles vivem, como eles competem?' Essas são coisas que o personagem, de certa forma, tem um ponto de vista muito distinto e válido... quando alguém realmente desafia um modo de vida, como a Federação costuma agir, eu posso ver - seja certo ou errado - que este é um ponto de vista válido, e isso é um ponto de partida"

Ou seja, o argumento do filme aparentemente terá como aspecto central o conflito entre duas civilizações e a luta pela imposição de uma visão mais legítima sobre o universo. 

Possivelmente temos dois desdobramentos a partir disso: o primeiro ficcional, pode ser interessante do ponto de vista narrativo, pois tornaria a trama mais complexa e profunda. O segundo ponto a meu ver é mais preocupante, pois reside no fato de que Lin parece estar PESSOALMENTE contestando os valores da Federação, que em última análise são os valores defendidos por Gene Roddenberry ao criar Star Trek. Talvez seja um indício de como os roteiristas e o diretor enxergam a franquia.

Estas são algumas informações importantes para que possamos entender um pouco melhor a proposta de Star Trek: Sem Fronteiras, que poderá levar a franquia à salvação ou à perdição, dependendo do quanto Justin Lin e os roteiristas carregaram nas tintas de um lado ou de outro. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Trailer de Star Trek Beyond: sem fronteiras para os fãs

Ok, é apenas um trailer, de pouco menos de um minuto e meio. Mas foi um trailer muito aguardado e que acabou "vazando" três dias antes da data prevista para sua divulgação, nas sessões de Star Wars - O despertar da Força. 

Minha opinião é de que Star Trek Beyond (Star Trek Sem Fronteiras, na versão brasileira) é um filme com muitos problemas, sendo o principal deles o fato de que as filmagens começaram antes mesmo da história estar pronta, com Simon Pegg (que interpreta Scotty) e Doug Jung escrevendo o roteiro. Aliás, aqui também temos um sério problema, já que a entrada de Pegg se deu em substituição ao Roberto Orci que estaria produzindo um roteiro "muito voltado para os fãs". No entanto, Orci é creditado no roteiro, juntamente com John D. Payne e Patrick McCay.

Aceitemos: este não será um filme para os fãs. Desde o reboot da era JJ os filmes se caracterizaram por buscarem uma audiência maior, fugindo do público estritamente trekker. Star Trek Beyond aparentemente será o filme que levará isto ainda mais longe.

O trailer que surgiu hoje nas redes, dublado em alemão, forçou a página oficial no Brasil a antecipar o lançamento do trailer brasileiro, que pode ser conferido aqui no facebook.

Realmente, o vazamento parece ter pego de surpresa a Paramount Pictures do Brasil, pois até o final da tarde desta segunda-feira, algumas horas depois do trailer ter sido postado, a imagem de perfil e de capa continuavam sendo as de Star Trek Into Darkness.

Mas, sem mais delongas, vamos aos aspectos mais importantes do trailer. 

Título

Um dos indicativos de que a coisa que menos importa em Star Trek Beyond é Star Trek, é que o título "Star Trek" é quase escondido pelos produtores, havendo o destaque desproporcional ao nome "Beyond", que surge na tela em letras garrafais.


"Novo tema": Sabotage dos Beastie Boys

Parece que a nova era de Star Trek já tem um tema oficial: a música Sabotage da banda Beastie Boys. A música aparece pela primeira vez no filme de 2009, quando Kirk ainda garoto rouba um carro. No trailer de Sem Fronteiras, Scotty adentra a ponte (do que parece ser outra nave, não a Enterprise) e pergunta a Kirk se aquilo é música, ouvindo como resposta: sim, das boas!

Enterprise destruída

Em seguida, descobrimos que a Enterprise sofreu um violento ataque por milhares de pequenas naves - kamikazes inclusive -  e foi completamente destruída. Desta forma, a tripulação se encontra perdida em um planeta, aparentemente em pequenos grupos isolados.

Spock aparece ferido ao lado de McCoy; Scotty está sozinho saindo de um módulo de escape; Kirk aparece pilotando uma moto (sim, até isso!); Sulu e Uhura aparecem em meio a diversos outros oficiais da Enterprise, sob a mira de guardas armados; e por fim, a alienígena interpretada por Sofia Boutella luta contra dois aliens de outra espécie, aparentemente os vilões da história. Em seguida ela diz a Kirk que sabe porque ele e todos os outros estão lá. 

Resumidamente, a nos fiarmos pelo trailer, a história consiste na destruição da Enterprise seguida da luta pela sobrevivência da tripulação em um planeta hostil, havendo aí a ameaça de um vilão alienígena, que supostamente os teria levado até lá com objetivos funestos. Ou seja, aparentemente é uma ideia bastante simplista, que investe mais nas sensações do que nas referências clássicas da franquia.


Vilões

As pequenas naves que atacam e destroem a Enterprise atuam como um enxame. Podemos vê-las também no momento mais divertido do trailer, que evoca a lendária rabujice do Dr. McCoy. Lado a lado com Spock, os dois se veem cercados por essas pequenas naves, No entanto, Spock é teletransportado logo após McCoy comentar sarcasticamente que pelo menos não iria morrer sozinho. Imaginem o doutor irritado. Porém o vilão-mor - de óbvio aspecto satânico - parece ter alguma relação com o capitão Kirk, aparecendo sua voz em off dizendo "É aqui que começa, capitão. É aqui que a fronteira resiste", para em seguida haver a exibição de sua entrada triunfal. A que fronteira o inimigo se referirá? Eis uma boa questão. Se bem que na linha de tempo alternativa poucas coisas fazem sentido.

Teletransporte

O teletransporte aparece ao menos duas vezes ao longo do trailer. Na já referida teleportação de Spock e em uma cena entre Kirk e a alienigena interpretada por Boutella. Algo interessante é que o som remete ao ruído característico do teletransporte da série original. Não deixa de ser curioso também o fato de que a teleportação vista no trailer não desmaterializa o corpo inteiro de uma vez só, mas vai indo de baixo para cima, como mostrado na cena de Kirk com a alien, que aparentemente "pega carona" no feixe que está teletransportando o capitão. Outra característica de TOS presente no trailer é a volta do glorioso topete de Kirk.

Sem fronteiras

Ao longo do trailer são vistas muitas explosões, corre-corre, personagens em situações intensas e muitos outros elementos que garantem que Star Trek Sem Fronteiras será um ótimo filme de ação. Quanto a ser um ótimo filme de Jornada nas Estrelas, tenho grandes e consistentes dúvidas. Acredito que não será um filme a altura dos 50 anos da franquia a serem comemorados em 2016, especialmente por não ser voltado aos fãs. O nome brasileiro do filme talvez seja profético: a produção - terceira do reboot -  não desejaria ficar contida nas fronteiras trekkers, buscando ardentemente ser uma forma de entretenimento para as massas, inspirada de maneira livre e descompromissada em Star Trek. Espero queimar a língua. E, afinal de contas, por enquanto vimos somente um trailer, feito sob medida para o grande público. Aguardemos o que Justi Lin reserva para os trekkers quando o filme for lançado.





sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

The Inner Light: Picard é um lugar de memória


Fazia algum tempo, como trekker e historiador, que eu queria escrever sobre esse episódio de Star Trek: The Next Generation. Vamos lá.

Escrito por Morgan Gendel e dirigido por Peter Lauritson, "The Inner Light" (TNG, 5x25) conta uma das mais belas histórias de toda a franquia e propõe uma reflexão muito pertinente acerca das relações entre história, memória e legado. Além disso, é o episódio favorito de Sir Patrick Stewart, que aliás, tem a participação de seu filho Daniel Stewart.

Um objeto não identificado

Tudo começa quando a Enterprise encontra, em meio ao sistema Parvenium, um objeto à deriva, contudo, sem poder identificá-lo prontamente. Após algumas análises preliminares, a conclusão mais plausível é de que se trata de uma espécie de sonda, no entanto, de baixa tecnologia. 

De repente o objeto passa a emitir um feixe de partículas que provoca um desmaio do Capitão Picard. Este ao recobrar a consciência já não se encontra mais na ponte da Enterprise e nem é mais seu capitão, mas sim um homem chamado Kamin, que desperta após três dias de febre, amparado por sua esposa Eline, em um pequeno vilarejo chamado Ressik, no desconhecido planeta Kataan.

Aturdido, Picard sai em busca de respostas e encontra Batai, um líder local e amigo deste homem - Kamin - que Picard agora aparenta viver a vida. Batai está conduzindo uma cerimônia na praça local, onde planta uma árvore, afirmando que ela será o símbolo da sobrevivência daquele povo. 

Picard então retorna para a casa onde acordou nesta nova existência, depois de horas de caminhada pelos arredores de Ressik. Está faminto e exausto, concluindo ser esta uma prova cabal de que não está sonhando. 

Eline lhe pergunta: "você acha que isso, a nossa vida, é um sonho?". Picard responde: "Esta não é minha vida!". Porém, os meses e os anos passam em Kataan e Picard, agora Kamin, vive sua nova vida como o serralheiro de Ressik, tocando sua flauta nas horas vagas.

E aí está um dos pontos mais interessantes da história: o sisudo e comprometido capitão Picard, que nunca pôde constituir família devido sua dedicação integral à Federação, agora tem a oportunidade de viver uma vida oposta. É casado, vê os filhos e o neto nascerem e crescerem. Meribor, sua filha, o auxiliará nas pesquisas sobre os problemas climáticos do planeta. Batai, o filho batizado em homenagem ao amigo falecido, seguirá seus passos na música, tocando flauta também.


Lugares de memória

O colar de Eline é uma réplica da sonda encontrada pela Enterprise, algo que deixa Picard intrigado. Enquanto isto, na ponte, Riker e a Dra. Crusher tentam ajudá-lo e descobrir o que houve. 

A sonda alienígena parece ter estabelecido uma conexão com Picard, que permanece desacordado. Em Kataan vários anos já se passaram e Picard, embora com suas vívidas lembranças da Enterprise, agora vive como Kamin e tenta descobrir - integrado à comunidade - o motivo de uma forte estiagem que assola o planeta. A verdade é que o planeta está morrendo. Na Enterprise, Data descobre que o sistema de Kataan deixou de abrigar vida há mil anos, quando a estrela se tornou uma supernova. 

A árvore plantada por Batai e a flauta tocada por Kamin ao longo da história se revelam importantes símbolos da memória daquele povo. São ícones da esperança e da sensibilidade de uma raça que sabe que deixará de existir em breve. E Picard se tornará o terceiro lugar de memória dos kataanianos.

Vivendo uma vida completa em Kataan, durante décadas, conhecendo tudo sobre os costumes, as crenças, as tradições, os medos e os amores deste povo, Picard/Kamin, já na velhice, é chamado por sua filha Meribor a assistir um lançamento espacial. Contrariado, por não ter sido avisado antes, descobre por fim do que se trata. Batai e Eline, mortos há muitos anos, reaparecem diante de si e lhe explicam que o lançamento que ele presencia se trata justamente da sonda, projetada para encontrar alguém no espaço que testemunhasse sobre aquela civilização desaparecida, que fosse um professor. “Alguém que pudesse contar aos outros sobre nós”, lhe diz Batai. Alguém que pudesse se tornar um lugar de memória vivo, que trouxesse à vida novamente aquele povo extinto através da sua lembrança. “Agora nós vivemos em você”, diz Eline. 

Picard recobra a consciência a bordo da Enterprise, tendo ficado pouco mais de 20 minutos inconsciente, ao passo em que uma vida inteira se passou em Kataan. A memória deste planeta e de seu povo foram indelevelmente marcadas no capitão. 

A memória de Kataan em Picard

Os kataanianos não tiveram a oportunidade de preservar sua história, de contá-la para outras gerações ou civilizações. Mas puderam fazer com que sua memória fosse preservada, ao menos como eles gostariam de ser lembrados: um povo simples e pacífico, extinguido por causas naturais. 

Como afirma Paul Ricoeur, a memória nem sempre é apenas a memória de um indivíduo, sendo também a memória de um grupo, que projeta e pensa no que lhe sucederá futuramente.

Na criação de um lugar de memória vivo, como o realizado através da sonda em Picard, o legado de Kataan pode ser levado a toda galáxia. Pierre Nora já afirmava que "há uma distância grande entre memória e história, contudo, há que se notar que é na memória que se efetiva uma reconciliação do instante com a duração, que a memória recria o real e o vivido" (Duran; Bentivoglio, 2013, p. 220). 
Acredito que tenha sido isso que os kataanianos conseguiram realizar, ao fazer Picard experimentar sua vida cotidiana, viver como um deles, com seus problemas e paixões, com seus medos e esperanças. Assim, embora extinto há muitos séculos, o planeta Kataan é agora conhecido por Picard e sempre poderá voltar à vida em todos a quem ele compartilhar suas memórias da vida como Kamin.




quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

"Criar ou recriar?": Chaos on the Bridge e os primórdios de Star Trek - The Next Generation

"Chaos on the bridge"(William Shatner, 2014) inicia com uma importante questão: o que poderia dar errado com uma série reimaginada pelo seu próprio criador?


E assim William Shatner nos apresenta - pela ótica dos envolvidos no processo - um filme sobre os turbulentos anos iniciais de Star Trek - The Next Generation. Anos que para Shatner representaram grandes lutas. Não somente a luta criativa, mas a luta pelo poder.

Gene Roddenberry havia perdido o seu poder sobre Star Trek e desejava recuperá-lo. Após o primeiro longa e com uma série de pilotos não aceitos por emissoras, Gene se encontrava em um deserto. Sozinho e esquecido, precisava vender itens relacionados a Star Trek nas conevenções para sobreviver. Além disso, nesse período, Roddenberry estava com problemas devido ao uso de álcool e drogas.

No entanto, em 1986 a Paramount resolveu criar uma nova série para Star Trek. Gene Roddenberry foi chamado para conceitualizar o novo show.

Mas havia um problema: os fãs. A desconfiança - até mesmo revolta - tomou conta de todos. Como recriar uma séria com ícones imortais como Kirk, Spock e McCoy, sem estes personagens?

John De Lancie traduz bem o sentimento dos envolvidos na criação de Star Trek - The Next Generation: "Estamos tentando criar ou recriar?"

O primeiro ano certamente foi o mais problemático. A grande rotatividade de roteiristas, que eram demitidos sumariamente por Gene e a falta de estrutura para os atores marcaram a primeira temporada. Por outro lado, havia a dificuldade em se criar boas histórias, devido a determinação dada por Roddenberry de que os roteiros não poderiam conter conflitos entre os personagens principais. Algo que só irá se resolver quando ocorre a erosão de poder de Roddenberry, na passagem da segunda para a terceira temporada.

Um exemplo dado no filme é o de que Gene lia por vários dias um roteiro e depois resolvia mudá-lo completamente, alegando que possuía uma ideia melhor.

Houve ainda a saída de Denise Crosby no meio da primeira temporada, nas palavras de Patrick Stewart isto "ferrou tudo". Problema parecido aconteceu com a demissão de Gates McFadden na segunda temporada devido a problemas com o roteirista chefe Maurice Hurley. Na terceira temporada ela retornaria.

Os diversos problemas levam Ronald Moore afirmar que as duas primeiras temporadas são praticamente inassistíveis, mantidas no ar apenas pela grande base de fãs que  forneceu a audiência necessária para a série se tornar um sucesso. Por outro lado, Brannon Braga reconhece que foi durante o início que foram criados muitos elementos que permaneceram durante toda a série e lhe deram uma rosto característico, com o personagem Q, os Borgs e o holodeck.

Devido ao cada vez menor envolvimento de Gene, que se encontrava com a saúde deteriorada, Rick Berman e Michael Piller passaram a focar grande parte das histórias sobre os personagens. Este fato redirecionou The Next Generation e trouxe mais qualidade às histórias.

Moore afirma ainda que é a partir de "The Best of Both Worlds" que eles deixaram de ser os filhos bastardos da série original, passando a caminhar com suas próprias pernas.

Shatner conclui o filme dizendo que a morte de Roddenberry encerrou uma era, mas, por outro lado, deu a chance de que novos roteiristas pudessem levar a franquia por outros caminhos. Nesse aspecto, Rick Berman credenciou-se como o sucessor de Gene.

E foi assim que, após primeiros instantes bastante complicados, The Next Generation se afirmou como uma das grandes referências em todos os tempos do universo de Star Trek.

William Shatner realizou um belo filme, retratando de maneira muito interessante as disputas de poder e os problemas inerentes a uma produção artística que vai muito além do que é mostrado na tela.