sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Saiba mais sobre o curso STAR TREK: 55 ANOS DE UTOPIA E CRÍTICA SOCIAL

 



Apresentação do curso

STAR TREK: 55 ANOS DE UTOPIA E CRÍTICA SOCIAL

 

Star Trek é um fenômeno da cultura pop que cativa legiões de fãs há mais de cinco décadas. Ao longo de todo esse tempo, muito além do que seria apenas um programa genérico de ficção científica, Star Trek propôs reflexões sobre diversos problemas sociais.  Através da representação de uma sociedade utópica, personificada na instituição conhecida como Federação Unida de Planetas, aprendemos que o mundo visto em Star Trek superou a pobreza e a sociedade de classes, tornando-se uma sociedade pós-capitalista na qual acredita-se que “a acumulação de riqueza já não é mais a força motriz da vida”, nas palavras do personagem Jean-Luc Picard. A utopia de Star Trek é uma aposta na capacidade humana de evoluir e superar suas contradições históricas.

No caminho inverso da quase totalidade das produções do nicho da ficção científica e suas distopias aterradoras, Star Trek demonstra que existe um caminho melhor a ser seguido pela humanidade. Porém, não se trata de uma esperança vã, ingênua e acidental. Além de apresentar uma etapa superior da jornada humana pelo tempo e pelo espaço, Star Trek realiza, através de inúmeros episódios, surpreendentes críticas sociais, tornando muito nítida, por meio da ficção, a necessidade premente de superação dos problemas históricos reais como o racismo, o machismo, a desigualdade etc. É nesse sentido que podemos afirmar que Star Trek nos mostra o futuro para discutir o presente; nos leva pelo espaço para revelar a Terra; e nos apresenta toda sorte de espécies alienígenas para falar sobre o ser humano.

Ao longo dos seus 55 anos, a serem completados em setembro de 2021, Star Trek já produziu mais de 800 episódios para a TV e 13 filmes para o cinema. Diante dessa obra monumental, optamos por efetuar um recorte que abarca as três primeiras produções live action da franquia: Star Trek (1966-1969), Star Trek: The Next Generation (1987-1993) e Star Trek: Deep Space Nine (1993-1999), universo que, por si só, já compreende 17 temporadas e aproximadamente 400 episódios. Para os fins a que esse curso se destina – conhecer a utopia e a crítica social em  Star Trek – consideramos que essas três produções nos oferecem o melhor e mais relevante material a ser estudado.

 

Objetivos

O objetivo do curso é discutir as representações dos ideais utópicos de uma sociedade pós-capitalista nas séries Star Trek, Star Trek: The Next Generation e Star Trek: Deep Space Nine, bem como debater os convites à reflexão sobre questões sociais que estão presentes em seus episódios.

Para isso, é preciso determinar as temáticas abordadas, as perspectivas adotadas, a forma com que as histórias foram realizadas e a relevância dessas discussões para os fãs e para a franquia dentro do universo da cultura pop.

Igualmente, buscamos definir as relações possíveis entre a utopia expressa na franquia Star Trek, o contexto histórico das suas diversas produções e as críticas sociais efetuadas em episódios icônicos.

 

Conteúdo das aulas

Aula 1

·         Um panorama geral de Star Trek, a série clássica.

·         A utopia e a crítica social em Star Trek, a série clássica em episódios selecionados.

·         Um panorama geral de Star Trek: The Next Generation.

·         A utopia e a crítica social em Star Trek: The Next Generation em episódios selecionados.

Aula 2

·         Um panorama geral de Star Trek: Deep Space Nine.

·         A utopia e a crítica social em Star Trek: Deep Space Nine em episódios selecionados.

·         A jornada prossegue: de Star Trek: Voyager até Star Trek: Strange New Worlds.

 Datas

Aula 1: 28 de agosto de 2021 (14h - 16h30)

Aula 2: 29 de agosto de 2021 (14h - 16h30)


Inscrições: https://www.sympla.com.br/curso-online-star-trek-55-anos-de-utopia-e-critica-social__1298400


O curso será ministrado online pelo zoom. 


Ministrante

Eduardo Pacheco Freitas é trekker em turno integral e professor e historiador nas horas vagas. Já cometeu dois livros sobre Jornada nas Estrelas: Star Trek: utopia e crítica social (2019) e O'Brien deve sofrer! (2021). Além disso, é o criador do blog e do canal Apenas um Trekker, voltados para a produção de conteúdo sobre Star Trek em português.


Realização: Cine Um

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

A estátua de Borba Gato e Terok Nor

 

Recentemente, a estátua do bandeirante Borba Gato, situada em São Paulo, foi alvo de uma manifestação na qual um grupo a incendiou. Esse ato corajoso e revolucionário segue uma tendência mundial em que organizações populares buscam destruir símbolos de um passado colonialista, escravocrata e genocida, passado este que é memorado e homenageado na forma de estátuas e monumentos que representam alguns dos seus agentes.

Foi assim com diversas estátuas de Cristóvão Colombo nos Estados Unidos e na Colômbia, e também com a estátua do traficante de escravos do século XVII Edward Colston, na Inglaterra. O entendimento dos manifestantes que promovem estes atos é de que toda estátua é uma homenagem. Logo, se uma estátua foi erigida representando um invasor que deflagrou o genocídio dos índios das Américas ou então um agente ativo do holocausto africano, parece evidente que estas estátuas, mais do que prestarem tributo a estes homens e seus atos, celebram as ideias que estiveram por trás deles.

Representar é tornar o ausente presente. Quando uma estátua é levantada ela dá corpo aquilo que já feneceu. Uma estátua de Cristóvão Colombo materializa a invasão das Américas e o os subsequentes genocídio indígena/escravidão africana. A estátua de Colston traz de volta à vida todo o sofrimento imposto, por meio das armas e da ideologia, aos povos da África durante séculos. Em cada uma destas estátua, o colonialismo, pai do racismo, da miséria e da submissão de uma infinidade de povos na atualidade, é glorificado e revivido. A estátua de Borba Gato enquadra-se perfeitamente nesse cenário.

 A questão central aqui é compreendermos por qual razão ainda hoje é possível que traficantes de escravos, genocidas, ditadores e outros bandidos sejam homenageados. As estátuas, monumentos e nomes de ruas que os representam não brotaram do nada. Muito pelo contrário, foram fruto da ação concreta de homens e mulheres concretos.

Na cidade de Porto Alegre, por exemplo, há uma avenida chamada Castelo Branco, em homenagem a um dos ditadores da Ditadura Civil-Militar de 1964. Por um breve período, o povo conseguiu renomeá-la para Avenida da Legalidade, em rememoração ao movimento liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, em 1961, garantindo a posse de João Goulart, ameaçada pelos militares. Sairia a homenagem a um ditador e entraria a celebração da democracia. Entretanto, as forças políticas retrógradas do estado, apegadas ao passado ditatorial e sabedoras da importância dos símbolos para a política e para a ideologia, conseguiram regredir e rebatizar a avenida com o velho nome.

Algo assim acontece agora em relação ao incêndio na estátua de Borba Gato. Há um verdadeiro frenesi por parte da direita e da extrema-direita contra os manifestantes, tachados de terroristas. Houve a prisão a jato de três pessoas, sendo que uma delas nem estava presente no ato, presa apenas por ser a companheira de Paulo Galo, um líder em ascensão pelos direitos dos entregadores de aplicativo. Todos sabem como o trabalho dessa categoria é precário. Galo luta para que direitos mínimos sejam garantidos, fato que certamente despertou a fúria dos conservadores e das classes dominantes. Sua mulher, Géssica, foi presa como forma de intimidar ainda mais o trabalhador insolente.

Mas quem foi Borba Gato, o homenageado pela estátua incendiada?

Borba Gato foi um bandeirante, isto é, um daqueles mercenários do século XVII que alargaram as fronteiras do Brasil. É claro que isso não aconteceu de maneira bela e edificante, muito pelo contrário, os bandeirantes escravizaram, estupraram, mataram e torturaram homens e mulheres indígenas por onde passaram. Os escravos indígenas da cidade de São Paulo foram quase que totalmente capturados por bandeirantes. Borba Gato ainda é conhecido por ter assassinado um português, obtendo o perdão da Coroa de Portugal quando revelou a localização de minas de ouro no território brasileiro.

Em suma, Borba Gato foi um criminoso, um chefe de bando, que da noite para o dia, com o perdão da Coroa Portuguesa para o homicídio que cometera, se tornou um fidalgo coberto de honrarias. Pois não é que a história se repete no Brasil com estes tantos bandidos cobertos de honrarias que temos hoje no poder?

Mas a questão fundamental que temos que fazer é: por que ainda está de pé a estátua que homenageia não só o colonialismo, o genocídio e a escravidão, mas também na esfera individual um marginal de quinta categoria? A resposta pode ser dupla.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a historiografia oficial brasileira do período republicano buscou símbolos que constituíssem o Brasil como nação. Pedro Álvares Cabral, Tiradentes. Duque de Caxias e os bandeirantes foram moldados pelos historiadores alinhados ao poder como os nossos grandes heróis. Indivíduos que deram a vida em prol da construção do Brasil como um país soberano, diferenciado e destinado ao sucesso. Assim, tornam-se completamente compreensíveis as razões para a existência de uma estátua que homenageia um bandeirante: querem fazer crer que Borba Gato foi um homem que ajudou a formar o Brasil como o conhecemos. Ele contrabandeou, matou, escravizou e estuprou? Um mero detalhe frente à tarefa histórica que teria realizado.

 Afinal, o nacionalismo é o instrumento dos poderosos para a morte da luta de classes. Somos todos iguais, eles dizem, brasileiros, sob a mesma bandeira, o mesmo hino e os mesmos heróis. Não interessa se alguns entre nós são bilionários e outros morrem de fome e de frio. Somos brasileiros e não desistimos nunca. Viva Borba Gato!

A segunda resposta diz respeito ao Estado de São Paulo propriamente dito. Os paulistas sempre se consideraram a locomotiva do Brasil. Na Era Vargas, acreditando terem perdido o protagonismo nacional, se insurgiram contra Getúlio, embora tenham sido, ao fim e ao cabo, derrotados militarmente por este. Os bandeirantes foram selecionados a dedo pela historiografia oficial de São Paulo como o símbolo do empreendedorismo paulista e como os desbravadores que alargaram o território nacional, sendo São Paulo o ponto de partida dessa verdadeira epopeia nacionalista. É desse modo que uma monstruosidade horrenda de dez metros e vinte toneladas como a estátua de Borba Gato ainda permanece de pé, enfeiando São Paulo. Mas não mais sem contestação nos dias de hoje.

Muitos nos setores ditos progressistas reclamaram do ato. Dizem que não se deve “vandalizar” estátuas, que estas fazem parte do patrimônio histórico nacional. Alguns fizeram analogias com palácios que foram tomados por revolucionários e que acabaram ressignificados. A velha tara dos liberais por revolucionários dóceis. Mas vejamos bem. É possível ressignificar uma estátua?

Um palácio usado por um autocrata sem dúvida alguma poderá ser ressignificado, pois um prédio tem funcionalidade (o Kremlin, por exemplo). Já uma estátua, como dito, é e sempre será uma homenagem. Existem estátuas de Hitler na Alemanha? Será que ao fim da Segunda Guerra Mundial alguns alemães consideraram possível ressignificar uma estátua de Hitler e mantê-la de pé como lembrança de um período que não deve se repetir? É claro que não. Estátuas tornam visível aquilo que já não é mais visível e, nessa operação, tornam redivivos e objetos de culto os assassinos do passado e as suas ideias.

Em Star Trek: Deep Space Nine, os usos políticos da memória e da história são um tema bastante presente. Isso tem origem no argumento inicial da série: a Federação – por meio da Frota Estelar – participa ativamente do processo de desocupação do planeta Bajor que havia sido invadido e dominado pelos cardassianos.

Em Bajor, encontramos uma sociedade espiritualizada que tem na religião um importante catalisador da identidade daquele povo. Porém, ao longo de muitas décadas, os bajorianos viveram sob o tacão dos violentos e brutais cardassianos, oriundos de uma civilização colonialista que ocupou Bajor em busca de seus recursos naturais.

Evidentemente, a partir desse cenário, abrem-se inúmeras possibilidades para se contar boas histórias. Afinal, foram muitos anos de violência, resistência, colaboração e inúmeros outros impactos sobre os bajorianos em especial. Um exemplo bastante claro está já na própria estação que dá nome à série.

No início da desocupação a estação Terok Nor foi renomeada como Deep Space Nine. Terok Nor foi construída por ordem dos cardassianos alguns anos antes, tendo como função processar os minérios extraídos do planeta por meio do trabalho escravo de bajorianos (que também forneceram a mão de obra para a sua construção). Mas vejamos como essa questão é interessante. Tão logo os cardassianos abandonam a estação, e esta passa para o controle dos bajorianos e da Federação, o seu nome é trocado. É a ressignificação que falamos antes. O nome Terok Nor, de origem cardassiana e que representava os interesses destes em Bajor é rapidamente apagado para dar lugar ao novo.

Terok Nor era sinônimo de colonialismo, de opressão, de violência, de escravidão, de estupro, de roubo. Enfim, uma nomenclatura que sintetizava por si só toda a brutalidade cardassiana sobre o povo de Bajor. Evidentemente, a tabuleta com este nome não poderia permanecer de pé, sendo imperioso que os bajorianos fizessem esse acerto de contas com o passado, apagando de uma vez por todas o nome que trazia à vida, cada vez que lido ou pronunciado, o terror da ocupação.

Os símbolos são importantes para criaturas simbólicas como são as formas de vida inteligente. No caso de Terok Nor, a troca por Deep Space Nine simbolizou o início de uma nova era. Um momento de reconstrução em que os bajorianos poderiam retomar o curso normal de sua história. Uma coisa que não tem nome não existe. A estação Deep Space Nine nomeada dessa forma indica a superação de uma época de horror e descortina para os bajorianos um horizonte limpo e tranquilo, muito mais condizente com a sua cultura espiritualista.

Vejamos que, diferentemente do que acontece com a estátua de Borba Gato, a estação não foi destruída ou incendiada por aqueles vitimados pela ideia que ela representou. Há uma diferença brutal entre uma estátua e uma edificação. A estátua de Borba Gato tem uma única serventia para a história: ser destruída. A sua destruição é que se tornará o objeto histórico merecedor de análise, estima e aplauso. Por que a estátua foi destruída? Essa é a pergunta que desvelará todo o sentido da luta dos povos oprimidos.

A mesma coisa aconteceria se existissem estátuas de Gul Dukat em Bajor. Dukat foi o administrador cardassiano da ocupação, sendo responsável por todos os horrores desta. Ou então se houvesse um monumento em homenagem a Aamin Marritza, conhecido como o “açougueiro de Gallitep”, um dentre os muitos campos de concentração que vitimaram fatalmente milhões de bajorianos. Certamente, estas hipotéticas estátuas seriam derrubadas sem pestanejar pelos bajorianos, dentre os quais não se levantaria voz alguma exigindo que ficassem de pé em nome de ideias rasas de patrimônio histórico.

Terok Nor, ao contrário, não deve ser destruída. A troca de seu nome é o ato mais importante que pode ser realizado. Ela se torna assim posse e ferramenta dos bajorianos. Ela foi construída pelas suas próprias mãos! Aquela velha instalação que serviu para fornecer o lucro do ocupador, agora torna-se instrumento de paz e de reconstrução, guiando o povo que sofreu a violência a um novo futuro.

Abaixo a estátua de Borba Gato! Viva a Deep Space Nine!

 

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Eduardo Pacheco Freitas é professor, historiador e autor de dois livros sobre o universo de Jornada nas Estrelas: Star Trek: utopia e crítica social (2019) e O'Brien deve sofrer! (2021).