sexta-feira, 7 de junho de 2024

Sisko, o Emissário dos Profetas — Entrevista com o teólogo Jeffrey S. Lamp


 

O Dr. Jeffrey S. Lamp é professor sênior de Novo Testamento, na Faculdade de Teologia da Oral Roberts University (ORU), em Tulsa, no estado de Oklahoma nos Estados Unidos. Nascido na Dakota do Sul, porém vivendo em Tulsa desde os dez anos de idade, Lamp é trekker desde que teve contato com a série original, que conheceu na década de 1970. Em 2010, publicou um importante estudo a respeito dos paralelos e contrastes entre os messianismos de Benjamim Sisko e Jesus Cristo. Nesta entrevista, gentilmente concedida pelo professor Lamp, ele nos conta um pouco mais sobre suas reflexões a respeito do tema.   

Você pode falar sobre sua formação acadêmica e como começou a pesquisar sobre Star Trek?

Meus estudos de graduação foram em matemática na Universidade de Oklahoma, onde me formei em 1983. Após a graduação, trabalhei como engenheiro por alguns anos. Em 1985, comecei um programa de Mestrado em Divindade na Universidade Oral Roberts, graduando-me em 1990. Em 1991, iniciei meus estudos de doutorado em Estudos do Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School, concluindo em 1995. Nesse ponto, fui nomeado pastor na Igreja Metodista Unida, onde servi até 2000. Em 1997, comecei a lecionar como instrutor adjunto na Universidade Oral Roberts. Em 2000, tornei-me membro do corpo docente em tempo integral, onde tenho lecionado desde então.

Como acontece com muitos que possuem doutorados, às vezes é necessário um intervalo dos tópicos "sérios". Sou fã de Star Trek desde a série original, que assisti em reprises no início dos anos 1970. Acolhi STNG quando apareceu, seguida por todas as séries até Enterprise. Devo dizer que não assisti Discovery ou Picard porque não assino serviços de streaming. Enquanto servia como pastor e instrutor adjunto, soube de um projeto que discutia Star Trek e religião, e contribuí com um ensaio para esse livro (“Biblical Interpretation in the Star Trek Universe: Going Where Some Have Gone Before”. Em Star Trek and Sacred Ground: Explorations of Star Trek, Religion, and American Culture, editado por Jennifer Porter e Darcee McLaren (Albany: SUNY Press, 1999): 193-214). Algum tempo após esse ensaio, fui convidado a contribuir com um artigo para um volume sobre a série DS9 (“The Sisko, The Christ: A Comparison of Messiah Figures in the Star Trek Universe and the New Testament.”. Em Star Trek as Myth: Essays on Symbol and Archetype at the Final Frontier, editado por Matthew Wilhelm Kapell (Jefferson, NC: McFarland Press, 2010), 112-28). Quando comecei meus estudos teológicos, fiquei interessado na interseção entre cultura popular e teologia. Star Trek foi meu primeiro movimento nessa área como acadêmico. Desde então, escrevi sobre outros aspectos da cultura popular.

Você descreve o desenvolvimento gradual da consciência messiânica de Sisko ao longo da série. Como você interpreta a resistência inicial de Sisko ao papel de Emissário e sua eventual aceitação?

 

Vejo Sisko como uma figura que representa a visão de mundo da Federação, que é uma cultura secular cuja epistemologia está enraizada na ciência e na tecnologia, muito semelhante à sociedade do final do século XX. Sua nomeação para a estação espacial criou um conflito com a cultura bajoriana, que está profundamente enraizada na religião do planeta. Inicialmente, parece que Sisko vê a religião dos Profetas apenas como algo com o qual ele deve lidar para cumprir seu mandato de administrar a estação. Ele frequentemente exibe irritação com as atribuições locais do seu papel como Emissário. Ele tem um trabalho a fazer como representante da Federação, e isso fornece o contexto no qual ele desempenha suas funções, sendo a religião dos Profetas simplesmente uma realidade com a qual ele lida.

Você menciona que Sisko demonstra "cooperação seletiva" com os Profetas ao longo da série. Como essa dinâmica entre obediência e resistência à vontade divina molda a jornada de Sisko como Emissário?

Li um livro quando era estudante universitário chamado "Ilusões: As Aventuras de um Messias Relutante", de Richard Bach. Esse título parece caracterizar a jornada de Sisko em aceitar seu papel como Emissário. Sisko não quer ser o messias profetizado, mas para cumprir seu mandato na Federação, ele começa a ver a religião dos Profetas como uma oportunidade ocasional que o ajuda a cumprir seu mandato. Assim, sua jornada começa vendo seu papel como Emissário como algo que não precisa investir nenhum significado real e evolui para uma oportunidade de obter maior eficácia na realização de seu mandato. Eventualmente, ele chega à realização de que é de fato o Emissário e parece aceitar essa responsabilidade de bom grado no final da série.

Qual papel as visões de Sisko desempenham em sua aceitação como Emissário? Como essas visões afetam sua autopercepção e seu relacionamento com os Profetas?

Essas visões são claramente um ponto de virada. Embora possam ser atribuídas a uma falha no console do holodeck (Rapture, T5E10), elas conferem a Sisko alguns poderes extraordinários. Enquanto isso pode ser descartado, do ponto de vista da Federação, como resultado de danos neurológicos, da perspectiva bajoriana, são presentes dos Profetas. Após essa experiência, ele parece abraçar com mais entusiasmo seu papel como Emissário. Embora eu não ache que isso altere completamente sua compreensão do mandato da Federação, isso afeta como ele conduz esse papel. Não é mais meramente um expediente político para ele navegar em sua tarefa. Acho que isso esclarece como ele conduzirá seu trabalho de forma a aceitar seu papel como Emissário de uma maneira que atinja os objetivos da Federação.

Você pode falar um pouco sobre a tensão entre o papel de Sisko como oficial da Frota Estelar e sua posição como Emissário? Como ele equilibra esses dois aspectos de sua vida?

Acho que o cerne dessa questão é abordado nas perguntas anteriores. Mas penso que a chave aqui é que a tensão se desenrola na crescente aceitação de Sisko do título de Emissário. E, claro, isso deve levar em conta as duas grandes crises da série: a guerra com os cardassianos e a guerra contra o Dominion. Para Sisko, isso não é apenas uma questão de autocompreensão alcançada através da contemplação. A jornada se desenrola em termos das exigências desses conflitos.

Se o objetivo inicial da nomeação de Sisko é encontrar uma maneira de conseguir a admissão de Bajor na Federação, então esses conflitos devem ser resolvidos a favor da Federação. E para fazer isso, Sisko deve encontrar uma maneira de conduzir seu trabalho de forma a manter o favor entre os bajorianos. Embora no início isso possa ser apenas uma questão de aceitação do modo de vida bajoriano, ele usa sua designação como Emissário para alcançar seus objetivos, finalmente vendo que ser o Emissário não é, em última análise, um impedimento para alcançar os objetivos da Federação, mas na verdade faz parte de quem ele é.

A tensão entre seus papéis é evidente à medida que ele navega entre as responsabilidades como oficial da Frota Estelar e as expectativas religiosas dos bajorianos. Inicialmente, Sisko vê suas funções como separadas, mas com o tempo ele percebe que integrar esses aspectos pode fortalecer sua eficácia em ambas as áreas. Em última análise, ele encontra um equilíbrio ao reconhecer que seu papel como Emissário pode ser harmonizado com suas obrigações como oficial da Frota Estelar, usando sua posição para beneficiar tanto Bajor quanto a Federação.

Até que ponto as ações de Sisko como Emissário alinham-se com as profecias bajorianas? Ele acaba cumprindo o papel de redenção que lhe foi atribuído?

 

A questão da profecia e seu cumprimento é uma grande questão nos estudos bíblicos acadêmicos. Um aspecto chave das profecias bíblicas e bajorianas é que elas são transmitidas em oráculos altamente poéticos e metafóricos. Portanto, estão abertas a várias interpretações sobre como essas profecias devem se realizar. Sisko pode interpretar tais cumprimentos como simplesmente o resultado ordinário dos muitos eventos que levaram ao desfecho, enquanto os bajorianos podem vê-los como o cumprimento de suas profecias.

No final da série, pode-se dizer que Sisko cumpriu seu papel redentor ao libertar Bajor dos conflitos militares em que o planeta estava envolvido. Ele desempenha um papel crucial na proteção de Bajor contra ameaças externas, como os cardassianos e o Dominion, e suas ações ajudam a estabilizar a região. Ao fazer isso, Sisko não apenas cumpre seu dever como oficial da Frota Estelar, mas também realiza as expectativas dos Bajoranos em relação ao Emissário, unindo suas duas identidades em uma missão comum. Assim, ele pode ser visto como tendo cumprido a função redentora profetizada, mesmo que as interpretações do que isso significa possam variar entre ele e os Bajoranos.

Quais são as semelhanças mais marcantes entre a jornada messiânica de Sisko e a de Jesus Cristo? E as diferenças mais significativas?

A motivação principal para meu estudo foi simplesmente a representação do papel de Sisko como algo que pode ser classificado como uma figura messiânica. Figuras messiânicas têm uma longa história na literatura e no cinema. Qualquer papel que envolva resgate pode ser considerado messiânico em um sentido genérico. Não tenho dúvida de que o arco do personagem de Sisko foi influenciado, em algum nível, pela representação bíblica de Jesus.

Mas a representação bíblica do papel messiânico de Jesus é uma fonte de disputa entre os estudiosos bíblicos. Ele estava ciente de seu status messiânico desde o início? Ele nunca reivindicou tal papel para si? Ele apenas desenvolveu uma consciência crescente de que era o messias de Israel? O Cristianismo histórico afirmaria que ele sempre esteve ciente de seu papel, tendo sido determinado antes da criação do mundo pela presciência de Deus, e tendo entrado no mundo através de uma virgem e confirmado seu status por meio de muitos sinais, o mais significativo dos quais seria sua ressurreição dos mortos. Ele realizou seu ministério com a consciência de que era o messias profetizado.

 

Essa é então a maior diferença nas representações. Jesus sempre esteve consciente de seu papel messiânico; Sisko experimentou uma consciência muito gradual de seu papel, tendo inicialmente o rejeitado. Nesse respeito, eu diria que a única semelhança real entre os dois é a identificação literária de ambos como alguém que se enquadra na categoria de uma figura messiânica, seja qual for a definição desse termo no contexto em que o drama se desenrola.

Além disso, enquanto Jesus é visto realizando milagres e cumprindo profecias desde o início de seu ministério, Sisko começa como um oficial da Frota Estelar secular e cético. Sua aceitação do papel de Emissário vem gradualmente e é marcada por uma série de eventos e visões que o levam a reconhecer e, eventualmente, aceitar seu papel. Jesus, conforme a tradição cristã, nasceu com uma missão divina clara e se dedicou a ela desde o início, enquanto Sisko teve que reconciliar sua identidade secular com seu papel espiritual ao longo do tempo.

Em resumo, a principal semelhança está na classificação de ambos como figuras messiânicas, mas as diferenças significativas residem na consciência de seus papéis, no contexto de suas missões e na maneira como cada um deles chega a aceitar e desempenhar essas responsabilidades.

Quais temas em Star Trek merecem a atenção dos pesquisadores?

Para ser honesto, não tenho acompanhado muito da pesquisa sobre Star Trek desde que meu ensaio foi publicado. Suspeito que seja extensa, como o seu próprio trabalho testifica. E enquanto houver novas entradas na franquia Star Trek, sempre haverá pesquisas dedicadas aos mundos criados nas novas histórias. Mas, meus próprios preconceitos diriam que a última palavra ainda não foi dita sobre as maneiras como a religião é apresentada no universo de Star Trek.

O que acho que DS9 fez foi mostrar que a religião parece ser uma preocupação com criaturas humanas(óides) e que pode manter sua própria credibilidade mesmo em um contexto social que é amplamente secular. Nesse sentido, eu diria que estudos na sociologia da religião que mergulham na apresentação da religião em Star Trek são sempre necessários.

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