O
Dr. Jeffrey S. Lamp é professor sênior de Novo Testamento, na Faculdade de
Teologia da Oral Roberts University (ORU), em Tulsa, no estado de Oklahoma nos
Estados Unidos. Nascido na Dakota do Sul, porém vivendo em Tulsa desde os dez
anos de idade, Lamp é trekker desde que teve contato com a série original, que
conheceu na década de 1970. Em 2010, publicou um importante estudo a respeito
dos paralelos e contrastes entre os messianismos de Benjamim Sisko e Jesus
Cristo. Nesta entrevista, gentilmente concedida pelo professor Lamp, ele nos
conta um pouco mais sobre suas reflexões a respeito do tema.
Você
pode falar sobre sua formação acadêmica e como começou a pesquisar sobre Star
Trek?
Meus
estudos de graduação foram em matemática na Universidade de Oklahoma, onde me
formei em 1983. Após a graduação, trabalhei como engenheiro por alguns anos. Em
1985, comecei um programa de Mestrado em Divindade na Universidade Oral
Roberts, graduando-me em 1990. Em 1991, iniciei meus estudos de doutorado em
Estudos do Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School, concluindo
em 1995. Nesse ponto, fui nomeado pastor na Igreja Metodista Unida, onde servi
até 2000. Em 1997, comecei a lecionar como instrutor adjunto na Universidade
Oral Roberts. Em 2000, tornei-me membro do corpo docente em tempo integral,
onde tenho lecionado desde então.
Como
acontece com muitos que possuem doutorados, às vezes é necessário um intervalo
dos tópicos "sérios". Sou fã de Star Trek desde a série original, que
assisti em reprises no início dos anos 1970. Acolhi STNG quando apareceu,
seguida por todas as séries até Enterprise. Devo dizer que não assisti
Discovery ou Picard porque não assino serviços de streaming. Enquanto servia
como pastor e instrutor adjunto, soube de um projeto que discutia Star Trek e
religião, e contribuí com um ensaio para esse livro (“Biblical Interpretation in the Star Trek Universe: Going Where Some
Have Gone Before”. Em Star Trek and Sacred Ground: Explorations of Star Trek, Religion,
and American Culture, editado por Jennifer Porter e Darcee
McLaren (Albany: SUNY Press, 1999): 193-214). Algum tempo após esse ensaio, fui
convidado a contribuir com um artigo para um volume sobre a série DS9 (“The Sisko, The Christ: A Comparison of Messiah Figures in the Star
Trek Universe and the New Testament.”. Em Star Trek as Myth: Essays on Symbol and Archetype at
the Final Frontier, editado por Matthew Wilhelm Kapell
(Jefferson, NC: McFarland Press, 2010), 112-28). Quando comecei meus estudos
teológicos, fiquei interessado na interseção entre cultura popular e teologia.
Star Trek foi meu primeiro movimento nessa área como acadêmico. Desde então,
escrevi sobre outros aspectos da cultura popular.
Você
descreve o desenvolvimento gradual da consciência messiânica de Sisko ao longo
da série. Como você interpreta a resistência inicial de Sisko ao papel de
Emissário e sua eventual aceitação?
Vejo
Sisko como uma figura que representa a visão de mundo da Federação, que é uma
cultura secular cuja epistemologia está enraizada na ciência e na tecnologia,
muito semelhante à sociedade do final do século XX. Sua nomeação para a estação
espacial criou um conflito com a cultura bajoriana, que está profundamente
enraizada na religião do planeta. Inicialmente, parece que Sisko vê a religião
dos Profetas apenas como algo com o qual ele deve lidar para cumprir seu
mandato de administrar a estação. Ele frequentemente exibe irritação com as atribuições
locais do seu papel como Emissário. Ele tem um trabalho a fazer como
representante da Federação, e isso fornece o contexto no qual ele desempenha
suas funções, sendo a religião dos Profetas simplesmente uma realidade com a
qual ele lida.
Você
menciona que Sisko demonstra "cooperação seletiva" com os Profetas ao
longo da série. Como essa dinâmica entre obediência e resistência à vontade
divina molda a jornada de Sisko como Emissário?
Li
um livro quando era estudante universitário chamado "Ilusões: As Aventuras
de um Messias Relutante", de Richard Bach. Esse título parece caracterizar
a jornada de Sisko em aceitar seu papel como Emissário. Sisko não quer ser o
messias profetizado, mas para cumprir seu mandato na Federação, ele começa a
ver a religião dos Profetas como uma oportunidade ocasional que o ajuda a
cumprir seu mandato. Assim, sua jornada começa vendo seu papel como Emissário
como algo que não precisa investir nenhum significado real e evolui para uma
oportunidade de obter maior eficácia na realização de seu mandato.
Eventualmente, ele chega à realização de que é de fato o Emissário e parece
aceitar essa responsabilidade de bom grado no final da série.
Qual
papel as visões de Sisko desempenham em sua aceitação como Emissário? Como
essas visões afetam sua autopercepção e seu relacionamento com os Profetas?
Essas
visões são claramente um ponto de virada. Embora possam ser atribuídas a uma
falha no console do holodeck (Rapture, T5E10), elas conferem a Sisko alguns
poderes extraordinários. Enquanto isso pode ser descartado, do ponto de vista
da Federação, como resultado de danos neurológicos, da perspectiva bajoriana,
são presentes dos Profetas. Após essa experiência, ele parece abraçar com mais
entusiasmo seu papel como Emissário. Embora eu não ache que isso altere
completamente sua compreensão do mandato da Federação, isso afeta como ele
conduz esse papel. Não é mais meramente um expediente político para ele navegar
em sua tarefa. Acho que isso esclarece como ele conduzirá seu trabalho de forma
a aceitar seu papel como Emissário de uma maneira que atinja os objetivos da
Federação.
Você
pode falar um pouco sobre a tensão entre o papel de Sisko como oficial da Frota
Estelar e sua posição como Emissário? Como ele equilibra esses dois aspectos de
sua vida?
Acho
que o cerne dessa questão é abordado nas perguntas anteriores. Mas penso que a
chave aqui é que a tensão se desenrola na crescente aceitação de Sisko do
título de Emissário. E, claro, isso deve levar em conta as duas grandes crises
da série: a guerra com os cardassianos e a guerra contra o Dominion. Para
Sisko, isso não é apenas uma questão de autocompreensão alcançada através da
contemplação. A jornada se desenrola em termos das exigências desses conflitos.
Se
o objetivo inicial da nomeação de Sisko é encontrar uma maneira de conseguir a
admissão de Bajor na Federação, então esses conflitos devem ser resolvidos a
favor da Federação. E para fazer isso, Sisko deve encontrar uma maneira de
conduzir seu trabalho de forma a manter o favor entre os bajorianos. Embora no
início isso possa ser apenas uma questão de aceitação do modo de vida bajoriano,
ele usa sua designação como Emissário para alcançar seus objetivos, finalmente
vendo que ser o Emissário não é, em última análise, um impedimento para
alcançar os objetivos da Federação, mas na verdade faz parte de quem ele é.
A
tensão entre seus papéis é evidente à medida que ele navega entre as
responsabilidades como oficial da Frota Estelar e as expectativas religiosas
dos bajorianos. Inicialmente, Sisko vê suas funções como separadas, mas com o
tempo ele percebe que integrar esses aspectos pode fortalecer sua eficácia em
ambas as áreas. Em última análise, ele encontra um equilíbrio ao reconhecer que
seu papel como Emissário pode ser harmonizado com suas obrigações como oficial
da Frota Estelar, usando sua posição para beneficiar tanto Bajor quanto a
Federação.
Até
que ponto as ações de Sisko como Emissário alinham-se com as profecias bajorianas?
Ele acaba cumprindo o papel de redenção que lhe foi atribuído?
A
questão da profecia e seu cumprimento é uma grande questão nos estudos bíblicos
acadêmicos. Um aspecto chave das profecias bíblicas e bajorianas é que elas são
transmitidas em oráculos altamente poéticos e metafóricos. Portanto, estão
abertas a várias interpretações sobre como essas profecias devem se realizar.
Sisko pode interpretar tais cumprimentos como simplesmente o resultado
ordinário dos muitos eventos que levaram ao desfecho, enquanto os bajorianos
podem vê-los como o cumprimento de suas profecias.
No
final da série, pode-se dizer que Sisko cumpriu seu papel redentor ao libertar
Bajor dos conflitos militares em que o planeta estava envolvido. Ele desempenha
um papel crucial na proteção de Bajor contra ameaças externas, como os cardassianos
e o Dominion, e suas ações ajudam a estabilizar a região. Ao fazer isso, Sisko
não apenas cumpre seu dever como oficial da Frota Estelar, mas também realiza
as expectativas dos Bajoranos em relação ao Emissário, unindo suas duas
identidades em uma missão comum. Assim, ele pode ser visto como tendo cumprido
a função redentora profetizada, mesmo que as interpretações do que isso
significa possam variar entre ele e os Bajoranos.
Quais
são as semelhanças mais marcantes entre a jornada messiânica de Sisko e a de
Jesus Cristo? E as diferenças mais significativas?
A
motivação principal para meu estudo foi simplesmente a representação do papel
de Sisko como algo que pode ser classificado como uma figura messiânica.
Figuras messiânicas têm uma longa história na literatura e no cinema. Qualquer
papel que envolva resgate pode ser considerado messiânico em um sentido
genérico. Não tenho dúvida de que o arco do personagem de Sisko foi
influenciado, em algum nível, pela representação bíblica de Jesus.
Mas
a representação bíblica do papel messiânico de Jesus é uma fonte de disputa
entre os estudiosos bíblicos. Ele estava ciente de seu status messiânico desde
o início? Ele nunca reivindicou tal papel para si? Ele apenas desenvolveu uma
consciência crescente de que era o messias de Israel? O Cristianismo histórico
afirmaria que ele sempre esteve ciente de seu papel, tendo sido determinado
antes da criação do mundo pela presciência de Deus, e tendo entrado no mundo
através de uma virgem e confirmado seu status por meio de muitos sinais, o mais
significativo dos quais seria sua ressurreição dos mortos. Ele realizou seu
ministério com a consciência de que era o messias profetizado.
Essa
é então a maior diferença nas representações. Jesus sempre esteve consciente de
seu papel messiânico; Sisko experimentou uma consciência muito gradual de seu
papel, tendo inicialmente o rejeitado. Nesse respeito, eu diria que a única
semelhança real entre os dois é a identificação literária de ambos como alguém
que se enquadra na categoria de uma figura messiânica, seja qual for a
definição desse termo no contexto em que o drama se desenrola.
Além
disso, enquanto Jesus é visto realizando milagres e cumprindo profecias desde o
início de seu ministério, Sisko começa como um oficial da Frota Estelar secular
e cético. Sua aceitação do papel de Emissário vem gradualmente e é marcada por
uma série de eventos e visões que o levam a reconhecer e, eventualmente,
aceitar seu papel. Jesus, conforme a tradição cristã, nasceu com uma missão
divina clara e se dedicou a ela desde o início, enquanto Sisko teve que
reconciliar sua identidade secular com seu papel espiritual ao longo do tempo.
Em
resumo, a principal semelhança está na classificação de ambos como figuras
messiânicas, mas as diferenças significativas residem na consciência de seus
papéis, no contexto de suas missões e na maneira como cada um deles chega a
aceitar e desempenhar essas responsabilidades.
Quais
temas em Star Trek merecem a atenção dos pesquisadores?
Para
ser honesto, não tenho acompanhado muito da pesquisa sobre Star Trek desde que
meu ensaio foi publicado. Suspeito que seja extensa, como o seu próprio
trabalho testifica. E enquanto houver novas entradas na franquia Star Trek,
sempre haverá pesquisas dedicadas aos mundos criados nas novas histórias. Mas,
meus próprios preconceitos diriam que a última palavra ainda não foi dita sobre
as maneiras como a religião é apresentada no universo de Star Trek.
O
que acho que DS9 fez foi mostrar que a religião parece ser uma preocupação com
criaturas humanas(óides) e que pode manter sua própria credibilidade mesmo em
um contexto social que é amplamente secular. Nesse sentido, eu diria que
estudos na sociologia da religião que mergulham na apresentação da religião em
Star Trek são sempre necessários.
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