Há um bom tempo venho pensando que o mundo é cada vez mas dinâmico e tudo ocorre em uma velocidade estonteante. Com Star Trek não poderia ser diferente, sob pena de estacionar no tempo. Contudo, muitos fãs são refratários a mudanças e tem a tendência de sacralizar a série original, por exemplo, e considerar ideia novas e criativas como blasfêmias.
Eu penso totalmente diferente. Star Trek deve ser algo vivo, sintonizado com seu tempo. E não digo sintonizado com seu tempo apenas no aspecto do conteúdo, com sua tradição de crítica social e boas histórias de ficção científica. Star Trek precisa se renovar constantemente em seus efeitos especiais e em suas estruturas narrativas. Se você assistir um episódio da série original nos dias de hoje é possível que em alguns momentos você sinta até mesmo algum desconforto.
O modo de contar histórias na TV na década de 60 é radicalmente diferente do modo que as histórias são contadas em 2019. Isso é um fato. Portanto, aos saudosistas sinto informar: Star Trek terá novo formato narrativo sim. É inconcebível que se produzam episódios nos dias atuais com a mesma estrutura dos episódios dos anos 60. Isso vale para os novos filmes, muitas vezes satanizados pelos fãs radicais.
A narrativa das séries a partir dos anos 90 é serializada, comumente estruturada sobre arcos. Deep Space Nine, aliás, é umas das precursoras deste formato. Não à toa também foi uma série a qual muitos torceram o nariz na época.
Por isso eu acho que a produção de Discovery merece os parabéns, pois souberam captar muito bem esse novo espírito. Alguns fãs se queixam de que a série parece mais Game of Thrones do que Star Trek. Isso é uma besteira. Discovery é Star Trek, e dos bons. Evidentemente, conforme o que disse acima, que a série apresenta semelhanças narrativas mais próximas ao que de melhor é produzido nessa era de ouro das séries do que TOS. Mas isso é ótimo. Além de capturar novos fãs, o novo formato é o mais adequado para a audiência atual, da qual mesmos os mais velhos trekkers fazem parte nos dias atuais.
Dentro dessa renovação de Star Trek eu gostaria de destacar os incríveis Short Treks. De fato a ideia de fazer pequenos contos dentro do universo de Star Trek - mais especificamente de Discovery - foi genial. Novamente meus aplausos aos produtores.
Acho que mostrar a personagem Tilly - que é encantadora - em uma situação inusitada, onde precisa ajudar - e mais que isso: conhecer, sentir empatia - por uma visitante alienígena foi um grande acerto. Apesar de considerar "Runaway" o mais fraco dos quatro Short Treks ele tem seu valor. Em última análise, apresenta uma história bonita.
"Calypso", o segundo episódio, mostra uma Discovery abandonada, mil anos após os eventos mostrados na série. Intrigante, no mínimo, pois nos faz especular que em algum momento no futuro, a USS Discovery, por algum motivo misterioso, será abandonada - ou perdida - em algum ponto desconhecido da galáxia (o que explicaria porque o spore drive não é utilizado nas outras séries). E sua tripulação, onde foi parar? Não há nenhum vestígio de corpos dentro da nave, por exemplo. Somente um computador da nave, com identificação de gênero feminina, a espera de alguém. No fim, se trata de uma ótima história envolvendo inteligência artificial, no melhor estilo Star Trek, como já acompanhamos com Data, o personagem de holodeck professor Moriarty, o fabuloso Vic Fontaine, o Doutor de Voyager, dentre outros.
Já em "The Brightest Star" vemos a origem de um dos personagens mais carismáticos de Discovery: o kelpien Saru. Curioso, como a melhor estirpe de cientistas da história, Saru, membro de uma sociedade pré-dobra, descobre uma forma de se comunicar com o espaço, conseguindo assim sair de seu planeta e explorar a galáxia, juntando-se à Frota Estelar. Creio que ao longo das próximas temporadas de Discovery as origens de Saru poderão ser muito bem exploradas, a partir desse pequeno conto de um alien irrequieto. Espero que os misteriosos ba'ul, que promovem a "colheita" de kelpiens, ocupando lugar central em sua sociedade, também sejam apresentados com mais detalhes. Já sabemos que no universo espelho são os humanos que escravizam e comem os kelpiens. Considero o melhor episódio dos Short Treks.
Por fim, o quarto episódio, "The Escape Artist", remete diretamente a TOS com o trambiqueiro Harry Mudd. Sempre envolvido em mil trampolinages, Mudd se mostra sempre capaz de escapar. No fim, uma grande surpresa, que revela como consegue operar suas sensacionais fugas. Um episódio muito engraçado.
Para concluir, acredito que os Short Treks representam um capítulo importante nessa atualização de Star Trek para o século 21. Espero que uma segunda temporada seja feita. Os fãs agradecem.