Por Charles Pulliam-Moore para Gizmodo
Tradução por Paolo Giovanoli
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Quando começaram a dar forma a Star Trek: Discovery, o produtor original, Bryan
Fuller, e a produtora executiva Heather Kadin tinham total certeza de que a
nova série deveria se manter fiel à visão de Gene Roddenberry de evolução
social e inclusão. Mas, para uma parcela bastante expressiva e racista de
"fãs", a ênfase na diversidade vista em Discovery pode ser comparada
a um "genocídio branco".
Não é nenhuma surpresa os fãs de uma determinada franquia torcerem o nariz
quando o último filme ou spin-off se distancia dos modelos (N. do T.: 'modelos'
pode ser entendido como 'estereótipos' sem prejuízo de sentido) originais,
historicamente dominados por homens heterossexuais, brancos e cisgênero. Mas os
fãs mais racistas elevam o tom da discussão alegando que compensar essa
representação desigual ataca diretamente esse mesmo grupo, o dos homens brancos
citados acima - vide o recente reboot de As Caça-Fantasmas, Star Wars... bem,
basicamente tudo hoje em dia.
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A nova série da CBS, "Star Trek: Discovery", só tem um branco no
papel e surpresa - ele é gay! Mais um fracasso dos #SJW,
como a Marvel. #WhiteGenocide pic.twitter.com/1ng1HW3L53
— Conscious Celt (@ConsciousCelt) May 18, 2017
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STAR TREK: Discovery
parece mais
Star Trek: eu forçando a Diversidade
- David Laettner (@DavidLaettner) May 18, 2017
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Star Trek Discovery. Os únicos caras brancos são um vulcano cuzão e um
timoneiro molenga. Parece que a série é bem SJW.
- Lubert Das (@LubertDas) May 17, 2017
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(N. do T.: SJW significa "Social Justice Warriors". Pode ser
traduzido como "Patrulha do Politicamente Correto")
O que diferencia essa linhagem de trekkers intolerantes do restante dos que
falam besteiras internet afora, por mais irônico que seja, é o quão errado é o
seu entendimento dos valores principais de sua tão amada franquia. Jornada nas
Estrelas é literalmente a história de uma organização de exploradores
interestelares que não conseguiriam fazer o que fazem, não fosse pelo fato de sua
sociedade ser baseada em cooperação entre outras civilizações e aceitação do
próximo como ele é.
Desde os primórdios, Jornada procurou promover na TV a diversidade de formas
que os outros programas da época não conseguiam. A Série Original, exibida de
'66 a '69, era reconhecida por ter como personagens uma mulher negra e um homem
japonês, ambos em papéis de grande relevância e totalmente fora dos
estereótipos raciais da época.
Os spin-offs subsequentes, A Nova Geração e Deep Space 9, continuaram com essa
tradição, apresentando homens negros e mulheres como capitães à frente de
tripulações de rica diversidade étnica. No geral, Jornada nem sempre foi tão
boa quanto deveria no que diz respeito à representatividade, mas melhorou
bastante ao longo do tempo.
Quando Discovery foi anunciada pela primeira vez, Fuller prometeu que a série
incluiria uma tripulação diversificada composta de pessoas com diversas raízes
étnicas, bem como sexualidade e gênero, e todas elas seriam como uma
representação da infinidade de culturas que compõem a Frota Estelar. E até aqui
eles tem cumprido a promessa: dos sete papéis principais, quatro são homens e
mulheres de cor. Também é ótimo ver que os primeiros trailers apresentam de
forma bastante evidente a imediato Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) e
Philippa Georgiou (Michelle Yeoh).
Para muitos fãs de longa data de Jornada, a inclusão de Burnham e Georgiou é a
reafirmação da promessa de Gene Roddenberry, de que a série, tanto em seus
roteiros quanto na vida real, iria audaciosamente onde nenhum outro programa na
televisão jamais foi.
Mas mesmo além de simplesmente escalar atores representativos, Jornada sempre
foi sobre tolerância e compreensão. Se você assistir aos episódios originais em
que a tripulação encontra entes hostis de outros planetas, verá que o dia
sempre foi salvo por Kirk e companhia buscando ver a situação do ponto de vista
de seu adversário, e acima de tudo procurando agir junto com eles e não contra
eles. Quando punhos e fêiseres não eram suficientes, a diplomacia e a
compreensão mútua prevaleciam (N. do T.: isso fica bastante evidente no
episódio "Um Pedaço da Ação", assim como no final de "Padrões de
Força").
Jornada ~sempre~ defendeu que conseguir olhar além das diferenças do próximo é
a maior habilidade que uma pessoa possui - e que ela pode levar à criação de uma
sociedade fantástica no pleno sentido da palavra. Nem sempre Jornada seguiu sua
própria mensagem à risca (vide a predominância de capitães homens e brancos,
por exemplo), mas Discovery busca fazer com que a série permaneça fiel a essa
mensagem.
Sempre haverá esse ou aquele que diz ter saudades dos velhos tempos, onde
mulheres, negros e pessoas de gêneros diferentes simplesmente não faziam parte
dos fandoms de ficção científica. Esses 'velhos tempos' são balela. Nós sempre
estivemos presentes. A única diferença é que séries como Star Trek: Discovery
não procuram mais ignorar isso.
E aqueles que não gostaram de Discovery por ser tão inclusivo não tem a menor
capacidade de entender que aquilo que eles desprezam é a grande bandeira de
Jornada nas Estrelas. Um dos principais motivos pelo qual a franquia é tão
amada e tão bem-sucedida é exatamente porque passaram ao largo desse tipo de
manifestações intolerantes por todos esses anos.
Link da matéria original: http://io9.gizmodo.com/racist-star-trek-fans-decry-discoverys-diversity-revea-1795506110