A primeira temporada de Discovery, em última análise, se trata de uma jornada de redenção de uma personagem. Mas se trata também de um sinal de alerta sobre a escalada do fascismo nos tempos correntes.
Na história, a primeira oficial da USS Shenzou Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) se amotina e acaba contribuindo para o início de uma sangrenta guerra entre a Federação e os klingons. Com isso, ela perde tudo. Seu posto, sua capitã e amiga, o respeito de seus colegas. Por outro lado, carrega a culpa da morte de milhares de pessoas no conflito e resigna-se com a pena de prisão perpétua imposta a si. Ao término da jornada, não sem passar por momentos graves e delicados, Burnham reconquista o respeito dos cidadãos da Federação ao conseguir, de maneira brilhante, o término da guerra.
Nesse meio tempo, a Federação, em desespero, em busca de resguardar sua própria existência, colocada em risco pela chegada iminente dos klingons ao planeta Terra, passa a cogitar soluções que contrariam os princípios que a tornaram grande.
Sabemos que os preceitos básicos da Federação são o respeito a todas as formas de vida, a política de não-interferência em outras culturas, a solução pacífica e diplomática de conflitos, a busca pelo conhecimento.
Parece que naquele momento em especial esses valores pétreos foram diluídos, em função do medo. Assim, a Federação abraça soluções fascistas em busca de um retorno aos tempos de segurança. É como Brecht falava: não existe nada mais parecido com um fascista que um burguês assustado. Essa máxima aplica-se perfeitamente ao caso. Em nome da preservação de um modo de vida, aqueles que o ameaçam podem ser, inclusive, vítimas de genocídio, como a Federação chegou a preparar em relação aos klingons.
Por sorte, Burnham consegue fazer com que os tomadores de decisão sejam chamados à razão, que possam perceber que sempre haverá uma saída que não envolva o extermínio total de um adversário. E assim Burnham, ao conseguir fazer com que a Federação retomasse os trilhos dos valores que a fazem uma sociedade tão evoluída, chega à sua própria redenção pessoal.
Seu discurso, na sede da Federação ao término do último episódio da temporada (Will you take my hand?), é um alerta precioso para os tempos que vivemos no Brasil, onde, nas palavras de Ernst Toller são celebradas "a perda da liberdade e a condenação do intelecto".
"Não, não vamos tomar atalhos no caminho para a justiça. Não, nós não iremos quebrar as regras que nos protegem de nossos instintos mais básicos. Não, não permitiremos que o desespero destrua a autoridade moral. Nós temos que ser portadores da tocha lançando a luz para que possamos ver nosso caminho para a paz duradoura."
Que a ficção, mais uma vez, sirva de inspiração para a nossa vida, para nossa sociedade, nesse momento onde o conhecimento é criminalizado e as são armas permitidas.
Will You Take My Hand?
(DIS, 1x15 - 11/02/2018)
Direção: Akiva Goldsman
Roteiro: Gretchen J. Berg e Aaron Harberts
Will You Take My Hand?
(DIS, 1x15 - 11/02/2018)
Direção: Akiva Goldsman
Roteiro: Gretchen J. Berg e Aaron Harberts
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