sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Leonard pela visão de William Shatner: os segredos da amizade de 50 anos entre Kirk e Spock

Com informações de http://www.theguardian.com/

Em 10 de fevereiro de 2014 Leonard Nimoy apareceu no talk show de Piers Morgan na CNN, sendo esta sua última entrevista antes de morrer 12 meses mais tarde. Nimoy, então com 82 anos, concordou em divulgar os perigos do tabagismo. Embora ele tenha parado de fumar cerca de 30 anos, fora recentemente diagnosticado com uma doença pulmonar obstrutiva crônica. Para destacar seu ponto de vista, trouxera para a entrevista seu aparelho de oxigênio, como uma terrível advertência. No entanto, mesmo sendo muito educado a respeito de sua doença, o entrevistador, após algumas piadas batidas sobre o toque vulcano e teletransporte, perguntou a Nimoy sobre qual a frequência com a qual se encontrava com o velho grupo, sobretudo com William Shatner. Nimoy respondeu: "Não, já faz algum tempo... Nós não temos mais esse tipo de relacionamento que costumávamos ter".

O que Nimoy acabara de dizer? Que ele não tinha mais contato com Shatner? Isto soava como a mãe de todos os tonteios de phaser. 

Então a grande questão seria como Shatner abordaria isto em seu livro de memórias sobre Nimoy. Logo no início do livro ele admite que teve "uma rara e invejável amizade com Nimoy, no entanto a perdi".

Antes que ele chegue a nos dizer as razões disso, é bom entendermos que os dois nasceram em 1931, com 4 dias de diferença e 300 milhas de distância: Nimoy em Boston e Shatner em Montreal. Ambos nascidos em famílias judaicas, ortodoxas, kosher e que falam ídiche em casa. Eram ambos filhos de imigrantes que vieram da região da Ucrânia. O pai de Shatner trabalhava no ramo de roupas, o pai de Nimoy era barbeiro. Os dois poderiam ter vindo daquilo que Shatner chama de "a mesma tribo", contudo, Shatner era loiro, com olhos que passavam por azuis (na verdade cor de avelã). O tipo físico de Shatner o proporcionou a fazer carreira encarnando os grandes heróis americanos: soldados, astronautas, cowboys.

Em contraste, para Nimoy estavam reservados os papéis étnicos. Ou ele era latino, ou nativo americano em westerns. Ou então o italiano em filmes de baixo orçamento. Ou ainda o russo, em The Man from UNCLE, que foi onde se encontrou com Shatner pela primeira vez, em 1964. Profeticamente, ele foi um marciano memorável em Zombies of the Stratosphere. Já estava trabalhando como ator há 17 anos quando foi escalado como Sr. Spock no episódio piloto para uma nova série: Star Trek.

Mas não foi simplesmente a aparência contrastante dos dois que definiu suas carreiras. Seus estilos de interpretação eram completamente diferentes. Shatner sempre interpretou "de fora para dentro", fluente em um tipo de atuação gestual. 

Já Nimoy, pelo contrário, era puro método. Partia do interior e então ia para fora, resultando em um estilo que pode ser chamado de "naturalismo educado". 

De qualquer forma, funcionou. O estilo de Shatner permitiu que Nimoy recuasse para o drama interno de Spock, uma criatura presa entre seu cérebro racional e seu coração humano e confuso. No piloto, realizado com Jeffrey Hunter, outro ator métodico, o resultado é de certa forma desconfortável. Com espaço vazio entre os dois, Nimoy é obrigado a fazer Spock ocupando mais espaço, uma presença mais chamativa. Ele até sorri. 

De tudo isso, podemos apreender é como Shatner e Nimoy foram moldados pela experiência do imigrante. Nimoy tinha crescido em uma atmosfera de tanto medo, que, no início da década de 70, seus pais foram convidados a levar o filho famoso de volta à sua aldeia na Ucrânia, por um embaixador russo procurando notoriedade. Convencidos de que se tratava de um plano para prendê-los por terem fugido em um carrinho de feno 60 anos antes, deixaram Nimoy viajar sozinho para Zaslav, para que este encontrasse seus primos igualmente perplexos e temerosos. 

No caso de Shatner, a herança de terror se manifesta em sua hiperatividade, prestes a fazer 85 anos, em turnê pelo mundo com seu one-man show e tuitando diversas vezes por dia em uma necessidade desesperada de continuar a deixar sua marca. Mas mesmo ele é obrigado de vez em quando a parar e meditar sobre as grandes questões, incluindo o que deu errado em sua amizade com Nimoy. Shatner afirma que "até Leonard e eu termos desenvolvido nossa relação eu nunca soube o que era ter um amigo". No entanto, Shater insiste não saber a causa do rompimento entre os dois. 

Contudo, é preciso conhecer a inteligência emocional de Shatner. Afinal, ele é um homem que concordou em ser fotógrafo convidado em uma divulgação da Playboy, mas em segredo, pois sabia que sua esposa não iria aprovar. Depois, aparentou estar genuinamente surpreso quando ela descobriu e ainda ficou furioso. Deste modo, esta é uma marca de transparência de Shatner, ao admitir o congelamento com Nimoy, e uma marca de sua grosseria ao dizer que realmente não sabe o motivo. E isso, realmente, é a ironia deste livro, pois na verdade, de toda a saga Nimoy-Shatner, este último, que sempre pareceu o menos interessante, é o único que acaba te mantendo preso a uma narrativa que começou há 50 anos e não mostra nenhum sinal de que vai revelar todos seus enigmas algum dia. 

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