Trekonomics: The Economics of Star Trek, de Manu Saadia |
"Trekonomics" é um trabalho que basicamente analisa o(s) sistema(s) econômico(s) vigente(s) no universo de Star Trek. Não é preciso ser um economista para perceber que nas histórias contadas por Star Trek a relação com o trabalho e com o consumo são bastante diferentes das que conhecemos, não somente hoje em dia, no século 21, mas ao longo da história da humanidade. Procurando entender melhor a "Trekonomia" o blog realizou entrevista com o autor, que pode ser conferida abaixo.
O livro está em pré-venda na Amazon (clique aqui), com lançamento no próximo dia 31, e pode ser encomendado aqui também: https://www.inkshares.com/books/trekonomics/
É uma grande satisfação para o blog que você tenha aceitado o convite para esta entrevista. Então, para começarmos, que tal você contar para os trekkers brasileiros um pouco da sua história pessoal com Star Trek e onde a economia entra nisso?
Eu sou da França, onde Star Trek não passava na TV até o final dos anos 80. Então eu encontrei Trek pela primeira vez através dos filmes. Isso me levou a ler o máximo de ficção científica possível (porque os livros eram a melhor coisa em seguida). Quanto à parte da economia, é aquele aspecto em particular de Star Trek que eu achei único e notável. Acontece que eu estudei história econômica. Eis o resultado.
E o livro, a partir de que problema básico identificado por você na economia de Star Trek ele surgiu?
O livro surgiu do meu interesse em economia. Não há muitos universos sci-fi que lidam especificamente com o desaparecimento do trabalho humano (Asimov é o único grande que eu consigo lembrar).
Sendo a ficção científica a extrapolação de teorias aceitas pela comunidade dos cientistas, também é a economia de Star Trek a extrapolação de teorias econômicas existentes? Como você descreve o sistema econômico que vemos em Star Trek?
Sobre a extrapolação da economia: Star Trek está (surpreendentemente) no mainstream da economia. Em essência, é Keynesiano. Assume-se que uma vez que a produtividade subir acima de um certo ponto (muito alto) e que a sociedade se torne muito rica, então os incentivos de acumular riqueza pessoal sumirão. É muito próximo ao que Keynes escreveu em 1930: "The Economic Possibilities for our Grandchildren".
Você afirma que Star Trek IV marca uma virada no cânone, pois é a partir deste filme que o dinheiro deixa de existir no universo narrativo de Star Trek, transformando a franquia em uma verdadeira utopia. Quais as diferenças entre a economia do século 23 e a economia do século 24?
A diferença entre o século 23 e 24 parece ser a invenção e ampla implantação de replicadores. A Enterprise de Kirk não os tem, tem cozinhas de galé (lembra aquela cena com Kim Catrall em Star Trek VI: The Undiscovered Country?). Picard tem seu próprio replicador em seu quarto. Então nós vamos de cozinheiros da nave às unidades pessoais de replicadores. De repente não é mais necessário fazer coisas. As pessoas no século 24 ainda fazem muitas coisas, mas definitivamente não é por necessidade, ou um "trabalho" como entendemos hoje.
Capitão Picard afirma em First Contact: "The acquisition of wealth is no longer the driving force of our lives. We work to better ourselves and the rest of humanity". Num livro que você conhece - citado em seu trabalho - os filósofos Jason Murphy e Todd Porter afirmam que o "reconhecimento" (como entendido por Hegel) é a única moeda dentro da Federação, já que as necessidades materiais básicas não são motivo de preocupação ("Material needs no longer exists", Picard em TNG 1X26). Na questão do "reconhecimento" vejo uma aproximação com o "capital simbólico" do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Quais são as formas de capital que realmente valem no universo de Star Trek?
Bourdieu é um grande ponto de referência para mim - embora, é claro que não é algo que você diz ou escreve num livro feito principalmente para entreter. Há capital na Federação, só porque há ferramentas, máquinas e conhecimento que são usados para fazer coisas. O que você acumula e usa para fazer coisas e estar no mundo, como um indivíduo, simplesmente não toma a forma de bens financeiros. Mas eles ainda são bens produtivos: o conhecimento, a experiência, a fama, a reputação. É, nesse aspecto, desigual e desequilibrado - algumas pessoas, por força do seu percurso e excelência, acabam com a reputação consideravelmente maior do que outros. Eles até mesmo se tornam capitães de naves almirantes da Federação. O jogo, ou o "campo" para usar a terminologia de Bourdieu, é puramente simbólica. Reconhecimento se tornou a moeda, por assim dizer.
É possível a existência uma sociedade complexa, como a que vemos nas histórias de Star Trek, sem a utilização de dinheiro?
Dinheiro é extremamente útil como unidade de conta. É também uma tecnologia muito útil para transações. Então o debate ainda está aberto para essa questão. Se, como em Star Trek, o preço das coisas for a zero graças à automação universal e energia abundante, me parece lógico que dinheiro como provisão de riqueza perderia seu valor. Mas ainda seria de alguma utilidade para manter o controle de onde as coisas vão. Além disso, mesmo em Trek, a Federação tem de lidar com entidades estrangeiras, civilizações alienígenas, que ainda usam dinheiro. Então a Federação, rica além de dinheiro, ainda precisa manter algum tipo de conta de moeda estrangeira (em latinum, é claro).
Muito obrigado pela entrevista e pela oportunidade de ler seu livro ainda inédito. Por fim, o que você diria para economistas trekkers (ou pesquisadores de outras áreas do conhecimento) que desejam unir sua paixão pela série à pesquisa acadêmica?
Ah! Apenas faça isso! E faça pela reputação, como em Star Trek. É muito divertido. Ainda há muito a ser escrito sobre Star Trek em particular e sobre ficção científica no geral.
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Meus agradecimentos à J. Tonelotto pelo imprescindível auxílio na tradução.
Manu Saadia |
Eu sou da França, onde Star Trek não passava na TV até o final dos anos 80. Então eu encontrei Trek pela primeira vez através dos filmes. Isso me levou a ler o máximo de ficção científica possível (porque os livros eram a melhor coisa em seguida). Quanto à parte da economia, é aquele aspecto em particular de Star Trek que eu achei único e notável. Acontece que eu estudei história econômica. Eis o resultado.
E o livro, a partir de que problema básico identificado por você na economia de Star Trek ele surgiu?
O livro surgiu do meu interesse em economia. Não há muitos universos sci-fi que lidam especificamente com o desaparecimento do trabalho humano (Asimov é o único grande que eu consigo lembrar).
Sendo a ficção científica a extrapolação de teorias aceitas pela comunidade dos cientistas, também é a economia de Star Trek a extrapolação de teorias econômicas existentes? Como você descreve o sistema econômico que vemos em Star Trek?
Sobre a extrapolação da economia: Star Trek está (surpreendentemente) no mainstream da economia. Em essência, é Keynesiano. Assume-se que uma vez que a produtividade subir acima de um certo ponto (muito alto) e que a sociedade se torne muito rica, então os incentivos de acumular riqueza pessoal sumirão. É muito próximo ao que Keynes escreveu em 1930: "The Economic Possibilities for our Grandchildren".
Você afirma que Star Trek IV marca uma virada no cânone, pois é a partir deste filme que o dinheiro deixa de existir no universo narrativo de Star Trek, transformando a franquia em uma verdadeira utopia. Quais as diferenças entre a economia do século 23 e a economia do século 24?
A diferença entre o século 23 e 24 parece ser a invenção e ampla implantação de replicadores. A Enterprise de Kirk não os tem, tem cozinhas de galé (lembra aquela cena com Kim Catrall em Star Trek VI: The Undiscovered Country?). Picard tem seu próprio replicador em seu quarto. Então nós vamos de cozinheiros da nave às unidades pessoais de replicadores. De repente não é mais necessário fazer coisas. As pessoas no século 24 ainda fazem muitas coisas, mas definitivamente não é por necessidade, ou um "trabalho" como entendemos hoje.
Bourdieu é um grande ponto de referência para mim - embora, é claro que não é algo que você diz ou escreve num livro feito principalmente para entreter. Há capital na Federação, só porque há ferramentas, máquinas e conhecimento que são usados para fazer coisas. O que você acumula e usa para fazer coisas e estar no mundo, como um indivíduo, simplesmente não toma a forma de bens financeiros. Mas eles ainda são bens produtivos: o conhecimento, a experiência, a fama, a reputação. É, nesse aspecto, desigual e desequilibrado - algumas pessoas, por força do seu percurso e excelência, acabam com a reputação consideravelmente maior do que outros. Eles até mesmo se tornam capitães de naves almirantes da Federação. O jogo, ou o "campo" para usar a terminologia de Bourdieu, é puramente simbólica. Reconhecimento se tornou a moeda, por assim dizer.
É possível a existência uma sociedade complexa, como a que vemos nas histórias de Star Trek, sem a utilização de dinheiro?
Dinheiro é extremamente útil como unidade de conta. É também uma tecnologia muito útil para transações. Então o debate ainda está aberto para essa questão. Se, como em Star Trek, o preço das coisas for a zero graças à automação universal e energia abundante, me parece lógico que dinheiro como provisão de riqueza perderia seu valor. Mas ainda seria de alguma utilidade para manter o controle de onde as coisas vão. Além disso, mesmo em Trek, a Federação tem de lidar com entidades estrangeiras, civilizações alienígenas, que ainda usam dinheiro. Então a Federação, rica além de dinheiro, ainda precisa manter algum tipo de conta de moeda estrangeira (em latinum, é claro).
Muito obrigado pela entrevista e pela oportunidade de ler seu livro ainda inédito. Por fim, o que você diria para economistas trekkers (ou pesquisadores de outras áreas do conhecimento) que desejam unir sua paixão pela série à pesquisa acadêmica?
Ah! Apenas faça isso! E faça pela reputação, como em Star Trek. É muito divertido. Ainda há muito a ser escrito sobre Star Trek em particular e sobre ficção científica no geral.
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Meus agradecimentos à J. Tonelotto pelo imprescindível auxílio na tradução.
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