Dando continuidade ao post da semana passada sobre os 30 anos de "Star Trek IV: The Voyage Home" e de como o filme foi avaliado pela crítica na imprensa brasileira, hoje trataremos, sob a mesma perspectiva, sobre o segundo filme de TNG: "Star Trek: First Contact", lançado dez anos depois, em 1996.
Contando com realizadores desde sempre envolvidos com o universo da franquia (produzido por Rick Berman - espécie de sucessor de Gene Roddenberry - escrito pelos profundos conhecedores de Star Trek, Brannon Braga e Ronald D. Moore, e dirigido pelo intérprete do Comandante William T. Riker, Jonathan Frakes), "Star Trek: First Contact" é um filme trekker por excelência, considerado por muitos fãs como um dos melhores momentos de Jornada nas Estrelas no cinema.
Além disso, é o primeiro filme da franquia a não contar com nenhum dos atores do elenco da série original, sendo este o oitavo filme de Star Trek e também o filme comemorativo dos 30 anos de Jornada nas Estrelas.
No Brasil, o filme teve uma boa cobertura pelos suplementos culturais dos jornalões.
Por exemplo, em 21/02/1997 - data do lançamento do filme no Brasil, três meses após a estreia nos EUA - o jornal O Estado de São Paulo publicou três matérias tratando da produção.
Por exemplo, em 21/02/1997 - data do lançamento do filme no Brasil, três meses após a estreia nos EUA - o jornal O Estado de São Paulo publicou três matérias tratando da produção.
Na primeira delas, sob o título "Enterprise evita o extermínio da humanidade" - uma crítica assinada por Luiz Zanin Oricchio - o jornal considerava a "autorreferência" como um dos pontos fracos do filme, criticando igualmente a trama por sua simplicidade. O crítico chama ainda a série de "uma forma alternativa de religião" e opina que o filme é feito somente para os iniciados da "seita". Para o autor, todos aqueles elementos que a maior parte dos trekkers considera como qualidades indispensáveis aos filmes da franquia são grandes defeitos:
[o filme] alterna bons momentos com aquele que é o contumaz ponto fraco da Jornada, pelo menos para o "público externo": o esoterismo dos conceitos e a autorreferência. (...) É comum, no cinema, ouvir-se risos sem que nenhuma piada mais evidente tenha sido dita na tela. O espanto revela a ignorância do espectador leigo, que não vê graça onde os trekkies enxergam todo um universo de referências.
Como pontos positivos do filme, o crítico destaca a grande atuação de Patrick Stewart e o visual assustador dos Borgs.
Na mesma edição, o jornal publica entrevista com Patrick Stewart, sob o título "Stewart encarna de novo o Capitão Picard". Na introdução da entrevista, realizada por Marcelo Bernardes, o jornalista comete o erro clássico, já incorporado ao anedotário trekker, de chamar Spock de "doutor".
Na curta entrevista (ao menos somente três perguntas foram publicadas) Stewart revela estar "pela primeira vez na carreira ciente da fusão ator/personagem" ao comentar sua forte identificação com o capitão Jean-Luc Picard, um trabalho que, segundo o ator lhe deixa "imensamente orgulhoso". Quando perguntado sobre como era interpretar pela segunda vez no cinema o Capitão Picard responde:
O homem é muito acessível para mim agora. Na verdade, tão acessível que é pura verdade dizer que não sei quando Patrick Stewart sai de cena para Jean-Luc Picard entrar.
Stewart revela ainda que a roupa usada na cena da caminhada espacial fora da nave foi a mais desconfortável que usou em toda sua carreira - tendo inclusive passado mal - , sendo este um grande desafio durante as filmagens de "Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato".
Ainda no Estadão, há uma entrevista com James Cromwell (Zefram Cochrane), que informava nunca ter assistido até então nenhum episódio de Star Trek. O ator conta ter fascínio por alienígenas e que estava naquele momento escrevendo um livro sobre o tema. Refletindo sobre o filme, Cromwell diz que o futuro otimista de Jornada nas Estrelas foi o fator determinante a convencê-lo a estar na produção e que considera os Borgs como uma metáfora do "capitalismo indo para a latrina".
Por sua vez, o jornal O Globo, tem opinião diferente do Estadão: para O Globo "Star Trek: First Contact" é um filme que não agrada somente aos trekkers, mas também a um público mais amplo. O crítico Rogério Durst, em texto de 21/02/1997 intitulado "Série de vida longa e próspera" afirma:
O filme é esperta exploração do aniversário de 30 anos da antológica série de TV. Com qualidades suficientes para interessar um público que não é fã de carteirinha do original ou dos personagens do outro seriado, "Jornada nas Estrelas - A nova geração".
No entanto, o crítico escorrega feio ao comparar o clima de "Star Trek: First Contact" ao dos filmes de terror da série "Hellraiser". Em resumo, uma completa falta de conhecimento do significado dos Borgs na história, que acabou levando o crítico a basear-se apenas no sentido estético dos vilões.
Na mesma página, há uma nota intitulada "De volta onde nenhum homem jamais esteve", assinada por Leonardo Pimentel, que se autointitula "trekker ortodoxo". Finalmente alguém que conhece Star Trek opina. O autor comenta o lançamento do filme avaliando que desde "A Ira de Khan" nenhum filme da franquia fora tão ligado à série de TV que lhe deu origem. Além disso, a matéria lembra que o filme traz elementos de Deep Space Nine (a nave Defiant) e de Voyager (o Doutor). Traz ainda a informação sobre problemas nas legendas "que trocaram a dobra espacial por 'dobraduras' e phasers em 'faseadores'.
Em 23/03/1997 O Globo publica matéria intitulada "Vida longa e próspera para o capitão Picard", onde entrevista o ator Patrick Stewart. Na entrevista, Stewart avalia que com os filmes a série teve a chance de conquistar um novo público. Outro aspecto interessante desta matéria é que, no texto, assinado por Carlos Helí de Almeida, aborda-se uma discussão bastante atual entre os trekkers: o quanto de ação deve ter um filme de Jornada nas Estrelas?
Os mesmos trekkers que festejam a contribuição de Stewart enxergam em "O primeiro contato" cacoetes de filme de ação, contrariando o espírito original do programa criado por Gene Roddenberry, que costumava transportar para o século XXIV questões sobre a condição humana atual.
Vinte anos depois, boa parte deste trecho destacado acima poderia ter sido extraída de alguma discussão a respeito do trailer de "Star Trek: Sem Fronteiras" divulgado recentemente.
No entanto, Stewart não via problemas no filme contar com mais elementos de ação, achando esta uma estratégia válida para a ampliação do público:
Acho que, ao adotarmos as qualidades de um filme de ação, estamos conquistando um novo público com este filme - entende o ator. Mas isso não quer dizer que estamos abandonando os fundamentos da série. Ao contrário, eles estão substancialmente lá, nas entrelinhas, até de uma forma bastante complexa.
Após esse breve sobrevoo sobre como a imprensa brasileira refletiu o lançamento de "Jornada nas Estrelas: Primeiro contato", algumas questões se tornam evidentes. A primeira delas - que também surgiu na cobertura da estreia de "Jornada nas Estrelas IV: A volta para casa" dez anos antes - diz respeito ao caráter mais ou menos "trek" dos filmes. Aliás, discussão que permanece até os dias de hoje. Importante ressaltar que houve alguma divergência entre os críticos, alguns considerando "Star Trek: First Contact" um filme inteligível somente para os fãs, outros o percebendo como capaz de conquistar públicos não iniciados. Um outro aspecto importante está no fato de que na maior parte das vezes a grande imprensa brasileira dá espaço a críticos não familiarizados com o universo de Star Trek, algo que acaba por comprometer a qualidade das críticas. Como honrosa exceção houve desta vez o jornal O Globo, que publicou texto de um crítico assumidamente trekker. Finalmente, esteve presente na época uma questão mais atual do que nunca: o temor por parte dos trekkers de que Jornada perca sua essência em favorecimento da maior presença de características de filmes de ação.
foi bom filme
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